Cafeicultor sofistica o marketing, seleciona melhor os grãos e ganha a recompensa: preços em alta |
Durante muitos anos, o Brasil foi conhecido como a pátria do café, mas essa de nominação tinha mais a ver com a quantidade produzida do que propriamente com a qualidade. Hoje, nos cafezais brasileiros, o que mais se ouve são expressões como café gourmet, cafés finos e cafés especiais. Os nomes variam, mas o princípio é o mesmo: qualidade. Os produtores brasileiros começaram a investir mais alto no segmento gourmet a partir de 1991, data em que a italiana Illucaffè organizou o primeiro concurso de qualidade. Foi também naquele ano que surgiu a Brazil Specialty Coffee Association (BSCA), entidade formada por cafeicultores com um objetivo em comum: produzir um café de altíssimo padrão. De lá para cá, os concursos de qualidade de café se multiplicaram pelo País. “O brasileiro tinha o costume de dizer que o melhor café ia sempre para a exportação”, diz Nathan Herszkowicz, presidente do Sindicafé. “Mas os concursos provam que há muitos cafés de altíssima qualidade disponíveis para o consumo no mercado interno”. Cada vez mais, os grãos finos são responsáveis pela conquista de novos adeptos . O consumo de café gourmet no mundo vem aumentando vertiginosamente. Enquanto os tradicionais têm taxa de crescimento de 1,5% ao ano, os especiais crescem na casa dos 15%. No Brasil, as estatísticas são também expressivas: 9% versus 20%. Mas a busca pelos melhores cafés é um processo delicado. Tudo começa com a escolha das mudas. Depois vem o sistema de colheita, a secagem e o armazenamento dos grãos. Coisas simples, como colocar um pano embaixo dos cafezais na hora da colheita, evitam que os grãos caiam na terra e se machuquem. Outro aspecto fundamental é a agilidade. Não dá para colher e deixar o café esperando até outro dia. Ele tem logo que ir para lavagem, no caso do café que vai ser despolpado, ou para o terreiro. Caso contrário, os grãos fermentam e a bebida fica comprometida. Por isso, os cuidados com a colheita de um café de qualidade exigem um investimento 15% a 20% superior ao custo da produção tradicional. Em contrapartida, o produto especial tem um ágio que varia de 40% a 200% dependendo do mercado. Enquanto os cafés tradicionais são vendidos, em média, por R$ 260 a saca, os especiais saem por R$ 340, podendo atingir até R$ 14 mil. Fernanda Silveira Raucci é um caso. Ela venceu o 2° Concurso Nacional de Qualidade de Café da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), com um lote de 10 sacas de café natural, no valor de R$ 8 mil a saca. Proprietária da Fazenda Urra Preta, em Pedregulho, São Paulo, ela atribui a vitória à Alta Mogiana, região em que se situa a propriedade. Além disso, conta que no terreirão o café é revolvido 15 vezes ao dia até chegar ao nível de umidade indicada. Nos supermercados, o quilo dos cafés especiais oscila entre R$ 25 e R$ 40, já os tradicionais, em média, são vendidos por R$ 5. No entanto, ter uma la voara saudável e bem cuidada não significa necessariamente que toda produção será de cafés especiais. “Em toda plantação, há frutos ótimos e os que deixam a desejar”, declarou José Francisco Pereira, presidente da BSCA. Em média, apenas uma porcentagem entre 20% e 30% da colheita é classificada como café fino. 0 conceito de café especial está intrinsecamente ligado a uma série de classificações que dizem respeito ao prazer proporcionado pela bebida. A seleção é um longo processo, que envolve desde a parte física (análise por tamanho dos grãos, presença de defeitos e aspecto quando torrado) até a degustação, que é a classificação por bebida: mais ácida, mais suave, mais adocicada. “Essa fase define o rumo do café: se irá para os Estados Unidos, Europa, Japão ou será um Fino Grão”, explica Paulo Veloso Júnior; diretor comercial da Veloso Trading, grande produtora de café da região de Carmo do Paranaíba, no cerrado mineiro. A empresa, no ano retrasado, lançouse no mercado de café torrado e moído com a marca Fino Grão. “São poucas as fazendas que detêm o controle do plantio à xícarã”, declarou o diretor, que acredita ser este o grande diferencial de seu produto. Em termos de certificação, a única entidade brasileira reconhecida internacionalmente para a classificação de cafés especiais é a BSCA. Para isso, ela recebeu apoio da Organização Internacional do Café (OIC) na implantação do sistema. 0 mecanismo consiste num software, que verifica a pontuação dada a um determinado café por quatro degustadores, em dez categorias: ponto de torra, aroma, paladar, limpeza da xícara, doçura, acidez, corpo, retrogosto (o sabor que fica após o primeiro gole), aroma frio e harmonia. Só aqueles que atingem notas acima de 80 recebem a classificação de especial. Além disso, o sistema exige que os grãos sejam torrados durante 6 ou 7 minutos, numa temperatura de 80 graus. “É uma espécie de tira-teima. Se o café não atingir o ponto de torra nesta temperatura, não pode ser classificado como especial”. Para o cafeicultor Joaquim José de Carvalho Dias, 87 anos, 60 deles dedicados aos cafezais, a região também contribui muito. Proprietário da Fazenda Recreio, situada no vale de São Sebastião da Grama, divisa de São Paulo com o sul de Minas, ele atribui os diversos prêmios que ganhou como produtor de gourmet à cidade. “Deus protege São Sebastião da Grama, temos condições de clima, solo e altitude muito favoráveis. Os mineiros são muito mais cuidadosos do que nós, mas nossos cafés são sempre premiados”. Na verdade, ele estava se referindo ao 4° Concurso Paulista de Qualidade de Café, em que cinco dos 10 vencedores eram conterrâneos seus. Dias, que foi o primeiro colocado do concurso na categoria cereja descascado, diz não fazer nenhuma extravagância. “Muita gente faz colheita seletiva, de acordo com a cor do grão. A única coisa que eu faço é separar o verde do maduro”, explicou o cafeicultor. Enfim, daqui para frente, quem quiser se manter no |