Há 20 anos a vassoura-de-bruxa se instalou e se espalhou nos cacaueiros e mudou a realidade social no sul da Bahia. A pesquisa é a esperança daqueles que não desistiram do cacau.
“‘Dinheiro perdeu a importância’, costumava dizer o coronel Maneca Dantas tempos depois. Ilhéus e a zona do cacau nadaram em ouro, se banharam em champagne, dormiram com francesas chegadas do Rio de Janeiro”. O trecho do livro São Jorge dos Ilhéus, de Jorge Amado, narra a fase de ouro do cacau no sul da Bahia, em meados de 1940.
Muita coisa mudou na terra do baiano Jorge Amado, depois que a vassoura-de-bruxa dizimou os cacaueiros (o galho da planta atacada fica com aspecto de uma vassoura, daí o nome). A praga precisa de vento e umidade para se espalhar. E encontrou na Bahia o ambiente propício. Em cinco anos infestou as plantações de cacau. Entretanto, naquela região, restam aqueles personagens, diferentes dos coronéis descritos por Jorge Amado.
Em Itabuna/BA, Roberto Pereira – usa roupas comuns e botas de borracha – mostra sua propriedade com 30 hectares que sobraram após a vassoura-de-bruxa. “Vendi cabeças de gado, imóveis e continuo com esta pequena área. Minha vida é o cacau”, enfatiza.
Pereira presenciou o declínio das colheitas que passaram de 460 mil toneladas por ano para menos de um quarto do total. As dele, que colheram três mil arrobas ao ano, agora totalizam 400. Mais de 200 mil pessoas ficaram sem emprego e 100 mil hectares trocaram o cacau pelo pasto.
A economia despencou e deixou de circular US$ 1,5 bilhão na região de Ilhéus. Em 1983, o Brasil vendia 55% de cacau em amêndoas passando a exportar apenas 1% em 2007. As processadoras exportaram, em 1979, US$ 956 milhões de cacau e em amêndoas, líquor, (produto extraído da moagem das amêndoas), manteiga e pó, declinando para US$ 158 milhões em 1999.
Hoje, o agronegócio do cacau envolve ainda 47 mil propriedades agrícolas, em seis estados brasileiros, sendo quase 30 mil no sul da Bahia. De acordo com o boletim trimestral de estatísticas de cacau da Organização Internacional do Cacau (ICCO, sigla em inglês), a safra brasileira 2007/2008 alcançou 160 mil toneladas em amêndoas.
O declínio após a vassoura-de-bruxa trouxe um novo comportamento ao País em relação ao cacau, que passou a exportar produtos semi-industrializados ou processados em amêndoas com maior valor agregado.
Entre 1983 e 2007, a exportação da manteiga de cacau passou de 12% para 39%. O líquor saiu de 19% para 15%. A torta de cacau se manteve estável em 10% e o cacau em pó passou de 4% para 35%.
A exportação de cacau e derivados totalizou mais de R$ 421 milhões em 2007, envolvendo cinco indústrias processadoras e as chocolateiras, representadas por 98 fábricas filiadas à Associação Brasileira dos Chocolateiros (Abicab), que juntas faturaram R$ 7,2 bilhões.
No mercado internacional, o cacau está favorecido pelos déficits de produção registrados nos últimos anos. A cotação na bolsa de Nova York atualmente se situa em torno de US$ 2,5 mil a arroba/tonelada. Em preços internos, R$ 90 a arroba ou R$ 6 o quilo de cacau seco.
Clonagem – A recuperação da cacauicultura, que vem ocorrendo, se deve à implantação de tecnologias de convivência com a vassoura-de-bruxa. Os trabalhos de melhoramento tecnológico voltaram, quase que exclusivamente para encontrar fontes de resistência ao fungo, desde que se instalou no sul da Bahia.
Entre as técnicas aplicadas, a que mais apresenta resultados positivos é a clonagem. Os primeiros clones foram desenvolvidos e lançados em 1995, por agrônomos da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac). A técnica consiste em uma variedade de cacau melhorada, pelo homem ou pela natureza, que é multiplicada assexuadamente e apresenta as mesmas características da planta matriz.
Na cadeia produtiva do cacau, o clone permite a reprodução das características desejáveis como resistência a doenças e pragas, alta produtividade, tamanho da semente (peso e número), arquitetura da planta, porte e outras características.
Hoje são 38 clones disponíveis ao produtor. Alguns, como o CCN 16 e o Ipiranga 1 são muito superiores aos primeiros clones. Já o CCN 51 produz de 21 a 26 sementes por fruto, com 2 gramas cada semente. O cacau tradicional produz cerca de 35 sementes, com 1 grama cada.
“O plantio clonal é mais uniforme, facilitando o uso das práticas culturais. Além disso, diminui os custos e aumenta a produtividade”, explica João Dantas das Virgens, extensionista rural que atende a mais de 103 fazendas no sul baiano.
Biofungicida – Como parte do controle integrado, os pesquisadores da Ceplac desenvolveram o biofungicida Tricovab. O produto biológico é obtido pela multiplicação natural do fungo Trichoderma stromaticum dentro de um processo tecnológico que envolve pesquisas de laboratório em diversas áreas.
Causada pelo fungo Moniliophthora perniciosa, a vassoura-de-bruxa ataca inicialmente frutos, brotos e almofadas florais, causando queda da produção, desenvolvimento anormal e até a morte da planta em situações de extremos da doença.
A pesquisa teve início na Amazônia e, em 1995, os estudos foram implementados no município de Uruçuca/BA (primeiro foco da vassoura-de-bruxa detectado no estado). Os testes mostraram que o fungo benéfico Trichoderma stromaticum controla o fungo maléfico Moniliophthora perniciosa, reduzindo o poder de reprodução e disseminação.
A aplicação do Tricovab é feita com pulverizações sobre vassouras removidas das plantas infectadas deixadas no solo, em período de chuvas. Deve ser realizada em intervalos de 30 dias em quatro etapas, diluindo dois quilos de Tricovab em 320 litros de água. “A eficácia pode chegar a 90%”, explica João de Cássia do Bomfim Costa, pesquisador da Ceplac. A praga morre porque o fungo antagônico vence a disputa por alimento e espaço, consequentemente diminui a capacidade de sobrevivência do fungo.
O Tricovab ainda não é comercializado porque está em processo de registro, atendendo às exigências dos órgãos fiscalizadores. “Será um produto comercial à disposição do produtor de cacau como mais uma ferramenta tecnológica para o controle da vassoura-de-bruxa”, explica João de Cássia.
Dívidas – A falta de domínio das técnicas para combater o fungo da vassoura-de-bruxa trouxe o empobrecimento da região e o endividamento do produtor. Em duas décadas, os cacauicultores somam mais de R$ 960 milhões em empréstimos bancários não pagos. A recuperação da lavoura cacaueira recebeu investimento, por meio do Plano de Desenvolvimento do Agronegócio na Região Cacaueira do Estado da Bahia (PAC do Cacau), que vai investir R$ 2,4 bilhões até 2016. Os recursos são direcionados às dívidas rurais, pesquisas e incremento na produção consorciada com seringueira e dendê.
As ações governamentais equacionam dívidas dos produtores, estimulam a implantação de pequenas fábricas de chocolate e cacau fino nas propriedades, por meio de associações e cooperativas. “Dentro de pouco tempo o Brasil voltará a atingir níveis de produção compatíveis com o parque industrial do País”, preconiza Jay Wallace da Silva e Motta, diretor da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac).
A expectativa é que as ações resultem em um significativo impacto nos níveis de produção do principal pólo produtor do País. Outro avanço importante, será proporcionado pela instalação de pequenos projetos de processamento de cacau, que estão sendo desenvolvidos nas regiões produtoras, permitindo a exploração de um mercado com preços mais remuneradores ao produtor.
Roberto Pereira é um dos 30 mil produtores da Bahia que acreditam que o cacau trará de novo a riqueza. “Eu fui o único dos dez irmãos que continuou com a lavoura. Era o mais rico e hoje sou o mais pobre”, diz ao lembrar que já colheu de 50 a 70 arrobas por hectare, ganhando US$ 4 mil por tonelada. Hoje, colhe 10 a 18 arrobas por hectare e recebe, no máximo, US$ 1,8 mil por tonelada.
A lição de casa é feita diariamente com manejo integrado da lavoura e clonagem do cacaueiro. A esperança de que tempos melhores virão, está em cada cacaueiro de Pereira – que ganham nome como as novilhas de um pecuarista. Nessa realidade, é possível confundir o cacauicultor com algum personagem do livro São Jorge dos Ilhéus, que o autor Jorge Amado intitulou A terra muda de dono. “..a última parte deste livro é o começo de um novo romance que os homens do cacau estão vivendo dramaticamente, e que eu não sei quem escreverá”. (Lis Weingärtner)