Mas se há setores alarmados com os efeitos da crise, há outros que manifestam despreocupação. No caso do café em grão, por exemplo, o cenário não é preocupante. A confirmação vem do diretor de exportação da Cooxupé, Joaquim Libanio Ferreira Leite.
“O c
ECONOMIA
Nice Silva
Especial para o Hoje em Dia
A crise econômica trouxe de volta um antigo fenômeno, o protecionismo comercial. Para resguardar indústrias e empregos no ambiente de crise, os países restringem as importações e estimulam a produção nacional com subsídios. Em tempos de turbulência global, as medidas de proteção se generalizaram. Exemplo próximo, a vizinha Argentina determinou o licenciamento prévio para 2.400 produtos entre dezembro e janeiro. A barreira não-tarifária afeta diretamente o Brasil nas exportações de aço, alumínio e ferro, por exemplo. Na mesma sintonia, o país esboçou uma reação contra o desempenho negativo da balança comercial de US$ 645 milhões nas primeiras quatro semanas de janeiro, utilizando o mesmo recurso do vizinho para cerca de 3 mil itens. A medida foi cancelada em menos de uma semana, sob protestos de setores cuja produção depende essencialmente de itens importados, como os eletroeletrônicos.
Outros segmentos, como a pecuária leiteira, exigem medidas urgentes contra as importações. Depois de 24 meses de superávit, a balança comercial do leite ficou deficitária em janeiro. Foram US$ 8,32 milhões que o país pagou pela entrada do produto estrangeiro, que chega desestabilizando o mercado interno. Indústrias de produtos lácteos conseguem importar a tonelada de leite em pó por cerca de US$ 2 mil, enquanto os produtores nacionais conseguem colocar a tonelada à venda por volta de US$ 2.400. “É claro que as indústrias vão preferir pagar menos pelo leite importado”, critica o presidente da Comissão Nacional de Pecuária de Leite da Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo Alvim.
Em outro exemplo de restrição às importações, o programa Buy American (Compre América) do governo norte-americano limitou as compras governamentais de produtos siderúrgicos apenas aos parceiros de blocos de livre comércio como o Nafta – EUA, Canadá e México.
Com isso, o Brasil não poderá atender ao programa de infraestrutura do governo americano que visa estimular a economia dos EUA. A siderurgia e a metalurgia respondem por 28% das exportações de Minas e por mais de 42% de todas as remessas do complexo minero-metalúrgico nacional.
“O Buy American é um acordo comercial agressivo, mas é legítimo para a economia americana”, avalia o secretário de Estado de Agricultura de Minas Gerais, Gilman Viana. Ex-presidente do Fórum Empresarial Permanente de Negociações Agrícolas Internacionais da Comissão Nacional de Comércio CNA, Viana classifica o protecionismo como um recurso normal das relações internacionais. “A regra do livre comércio é teoria, não é dogma”, analisa.
Para a coordenadora do Centro de Estatística e Informações da Fundação João Pinheiro, economista Elisa Maria Pinto da Rocha, o governo precisa estudar os setores individualmente para determinar quais demandam proteção, e que tipo de barreiras podem ser colocadas para resguardá-los. Ela destaca que merecem atenção, por exemplo, os segmentos de calçados, vestuário, boa parte da indústria láctea, fruticultura e siderurgia. Mas Elisa Rocha salienta que medidas generalizadas, tal como a adotada com a licença prévia de importação, para milhares de produtos, deve ser evitada.
A economista diz que a demora do governo em admitir que a crise atingiria o Brasil pode ter contribuído para a perda de milhares de empregos no início do ano. Embora descarte que o país já tenha entrado em recessão, ela considera que a queda no número de empregos em janeiro frente a dezembro é brutal. Em janeiro, a população desocupada subiu mais de 20% em comparação com o mês anterior.
“Estamos exportando PIB e empregos para o resto do mundo”, critica o economista Cláudio Gontijo. Para ele, o Brasil reluta em tomar medidas protecionistas, em um cenário que já seria de recessão. Tecnicamente, a recessão é definida como a queda do Produto Interno Bruto (PIB) por dois trimestres seguidos. De acordo com o Instituto Brasileiro de geografia e Estatística (IBGE), a produção industrial brasileira teve queda de 14,5% em dezembro de 2008, em comparação com dezembro de 2007. Nesse mesmo período, a produção industrial mineira caiu 27,1%.
A professora Elisa Rocha discorda que o cenário seja de recessão. “Ainda não é possível caracterizar um quadro recessivo, apesar da queda da produção industrial, tendo em vista que o PIB leva em conta dados como a produção agropecuária e o consumo”, destaca.
Na última semana, a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) destacou que a agropecuária é o segmento exportador que deverá ser menos afetado no ambiente mundial de retração econômica.
“O mundo parou de crescer, mas os hábitos de consumo criados nos últimos 20 anos, com a ascensão de milhões de pessoas na Ásia e América Latina, não devem ser revertidos pela crise”, frisa o consultor de negócios internacionais da Fiemg, Alexandre Brito.
Para a economista da FJP, o consumo interno é o mecanismo estratégico contra o impasse que domina as economias mundiais, especialmente no que diz respeito às dificuldades de exportação provocadas pelas barreiras protecionistas e pela queda da demanda e dos preços internacionais dos produtos brasileiros.
“Os países com mais facilidades para superar essa crise são aqueles que têm maior dinâmica do mercado interno”, analisa. Ela enfatiza que o Brasil tem alguma condição de enfrentamento, uma vez que, nos últimos anos, pelo menos 20 milhões de pessoas das classes D e E foram incorporadas ao mercado consumidor. “Isso é auspicioso”, diz, completando que essas condições só se consolidam com o acesso ao crédito.
O secretário Gilman Viana pondera que, embora seja o grande suporte do consumo brasileiro, o mercado interno merece atenção. “Com as demissões em massa em curso, resta saber de que tamanho ficará esse mercado interno”, indaga. Para ele, parte do poder da economia está na demanda por alimentos que o mundo deverá manter, mesmo em período de crise: “O mundo vai continuar comprando o básico e, na hora de comprar o básico, vai comprar alimentos”, afirma.
Corte de subsídio muda o cenário Viana considera que a decisão dos Estados Unidos de deixar de subsidiar os produtores rurais com faturamento anual acima de US$ 500 mil muda o cenário positivamente. “Imagina o quanto os EUA vão deixar de abastecer o mundo. É uma mudança de comportamento importante”, avalia.
A professora Elisa Rocha pondera que o direcionamento de parte das exportações para o mercado interno também contribui para diminuir o impacto das barreiras contra o aço, por exemplo. “A saída para isso seria o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) sair do discurso e ser de fato implementado”, argumenta. Outros países já protegem o aço nacional, como Turquia, Índia, Rússia e EUA, que baixaram medidas que restringem as importações do metal e de produtos siderúrgicos depois da instalação da crise.
A presidente do Conselho de Relações Internacionais da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Martha Lassance, acredita que as barreiras ao comércio internacional deverão se intensificar e serão “sutis”. “Creio que o que vamos assistir agora, dentro das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), é à sofisticação em todas as barreiras técnicas e fitossanitárias”, destaca. Nesse sentido, segundo ela, alguns dos setores mais atingidos deverão ser o de frutas, carne e leite.
Mas se há setores alarmados com os efeitos da crise, há outros que manifestam despreocupação. No caso do café em grão, por exemplo, o cenário não é preocupante. A confirmação vem do diretor de exportação da Cooxupé, Joaquim Libanio Ferreira Leite.
“O café está relativamente imune a essa crise. É a bebida mais consumida no mundo, depois da água, no mundo ocidental”, pondera.
Eletrônicos rejeitam barreiras
Já o setor de eletroeletrônicos vê no mercado interno a sustentação para o crescimento. “Em 2008, crescemos 28%. Devemos crescer nesse mesmo parâmetro em 2009, ou superar essa marca”, diz o presidente do Sindicato das Indústrias de Produtos Eletroeletrônicos e Similares do Vale da Eletrônica (Sindivel), do Sul de Minas.
A entidade aposta nos investimentos das empresas. “Nesses períodos de crise, as empresas, de quaisquer setores, investem ainda mais em TI para se tornarem mais competitivas”, deduz.
“Aqui no Brasil, entendemos que o protecionismo mais atrapalha do que ajuda. Devemos optar por medidas pontuais e legais”, salienta o gerente de relações internacionais da Associação Brasileira da Indústria Eletroeletrô-nica (Abinee), Mário Roberto Branco.