O produtor Sérgio Cotrim DAlessandro, que cultiva café em Manhumirim, na Zona da Mata mineira, ainda busca explicação para um período de seca atípico ocorrido no início de 2006. Entre janeiro e fevereiro ficamos 45 dias sem chuvas. Esse fenômeno alterou o ciclo das plantas, conta. A estiagem inesperada atrasou a florada do seu cafezal, instalado na Fazenda Bom Sucesso, de 60 hectares, e não só prejudicou a safra que estava no pé, como também a que está sendo colhida agora. Afetou a uniformidade e a qualidade dos grãos.
A explicação, diz o chefe-geral da Embrapa Informática Agropecuária, Eduardo Delgado Assad, pode estar relacionada ao aquecimento global. Há a possibilidade de que, com o aquecimento, fenômenos meteorológicos extremos como esse ocorram com maior freqüência, justifica. A Embrapa, junto com o Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), da Unicamp, simulou o impacto na agricultura do aumento de temperatura previsto pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
O professor Carlos Cerri, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP (Cena), confirma: O aquecimento global pode ocasionar uma mudança climática e causar eventos extremos, como chuvas muito fortes ou secas muito pronunciadas.
AO ALCANCE DO PRODUTOR
Assad diz que, embora o cenário seja preocupante para a atividade agrícola – sobretudo para o café (Veja reportagem ao lado) -, o produtor pode atenuar os efeitos adotando medidas mitigadoras, que estão ao alcance de qualquer produtor. Integração lavoura-pecuária, proteção do solo, preservação de nascentes, adoção de sistemas agroflorestais e conservação da biodiversidade ajudam a reduzir as emissões de gases, sugere.
Na Fazenda Bom Sucesso, tais práticas são seguidas à risca (Veja quadro). Com o solo coberto, DAlessandro calcula que a incidência solar na terra caia de 60% para 25%. A propriedade tem ainda 35% de reserva legal averbada em cartório e ele economiza 30% em fertilizantes utilizando a palha de café, que seria queimada, como adubo.
O vizinho de DAlessandro e cafeicultor Jair Martins de Souza, que possui 17,5 hectares, também está se protegendo. Ele diz que teve perdas nos últimos dois anos por causa da seca de 2006 e por chuvas atípicas na época da florada. Com a ajuda do filho, William, arborizou 12,5 hectares com o plantio de cedro australiano, eucalipto, frutíferas (bananeiras, goiabeiras e mamoeiros), ingá, teca e mogno africano. As árvores refrescam o ambiente e servem de quebra-vento, ajudando a controlar a phoma, fungo favorecido por alta umidade e vento.
Outro produtor, Antônio José Junqueira Villela, das Fazendas Santa Inês e São Benedito, em Carmo de Minas, diz que em 20 anos na atividade nunca foi tão perceptível a irregularidade de chuvas na região. Estão muito mal distribuídas. Em janeiro choveu cerca de 800 milímetros, e, em fevereiro, não passou de 70 milímetros, observa Villela, que possui área de 175 hectares.
Esse desequilíbrio favorece o aparecimento inesperado de doenças, aumentando as despesas do produtor. Ácaros e fungos antes controlados reaparecem. Para reduzir esse risco, Villela deixa a lavoura arborizada naturalmente, com cedro, jacarandá e outras espécies comuns da região.
EFEITOS
O pesquisador Paulo Henrique Caramori, do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), diz que é natural a planta reagir a condições climáticas extremas. Se houver muito calor na florada, pode haver abortamento das flores. Excesso de calor também causa distúrbios na planta e afeta a formação dos frutos e o sabor da bebida.
DAlessandro diz que além da seca anormal em 2006, houve aumento sensível na temperatura média da região, o que afetou sobretudo lavouras cultivadas em áreas mais baixas da Zona da Mata. Como minha fazenda está a 800 metros, não sofro tanto. Mas quem está a 500 metros ou menos já está trocando o café por gado e eucalipto, conta o produtor. Na Zona da Mata mineira, onda há 350 mil hectares ocupados com café, a temperatura cai 0,7 grau a cada 100 metros a mais de altitude.