Especial – A história de Campina Grande PB

Por: 10/10/2009 19:10:00 - A União - PB

Especial Campina

No princípio, eram os tropeiros


Astier Basílio
ESPECIAL PARA A união


Quem é de Campina Grande se arrepia ao ouvir “Tropeiros da Borborema” na voz dolente e melodiosa de Luiz Gonzaga. É uma viagem no tempo escutar o Rei do Baião iluminando do fundo de sua alma a poesia de Rosil Cavalcanti e Raimundo Asfora, dois filhos adotados, este do Ceará, aquele de Pernambuco. Os dois que tão bem souberam traduzir a gênese da Rainha da Borborema em versos simples, cadenciados como a passada dos tropeiros, como um chicote.
 
O monumento em memória dos Tropeiros, construído às margens do Açude Velho, mais do que um cartão postal, é a prova do reconhecimento e a gratidão por quem tanto fez pela cidade. Por aqueles que vieram de longe e, juntos com os filhos naturais, ajudaram a construir a cidade. Os Tropeiros são nosso símbolo. A encruzilhada sem fio que liga todas as partes do mundo. Como diz José Nêumanne Pinto, uiraunense que Campina tomou para si, “(…) a Campina só se chega, / sempre (…) Todas as viagens do mundo/ terminam no Alto do Serrotão.
 
Em 1946, o historiador Epaminondas Câmara, que tanto se debruçou sobre a história de Campina Grande, já dizia da vocação que a cidade tinha de atrair tantos caminhos, tantas histórias, tantas pessoas.
 
(…) Com o tempo os boiadeiros e tropeiros procuraram encurtar as distâncias, aproveitando os desvios menos sinuosos e acidentados. O povoado de Campina por se achar à margem do Brejo e reunir uma abundantíssima feira de cereais, tornou-se pouso obrigatório de almocreves, cavalerianos e tangerinos que desciam do Seridó, do Curmataú e do Sertão para Goiana e Olinda
 
Campina já se encontrava no fim daquele século ( XVIII) no entrecruzamento de várias estradas reais. Eram também os tropeiros do Rio Grande e do Ceará que por ela passavam e até se abasteciam quando em viagem para o litoral pernambucano  (…)
 
Dos fios do algodão que fizeram a opulência de Campina Grande, no começo do século XX, ao emaranhando de outros fios, do começo do século XXI, das pesquisas tecnológicas que fizeram a cidade ser referência em todo o mundo, a Rainha da Borborema comemora 145 anos sendo amada pelo seu povo e ainda atraindo novos tropeiros nesse entrecruzar de caminhos do novo milênio. No mesmo compasso. Na mesma cadência.


O nascimento de uma grande cidade


“(…) trouxe consigo, Senhor uma nação de tapuias chamados Ariús, que estão aldeados junto aos Cariris aonde chamam Campina Grande, e querem viver como vassalos de Vossa Majestade e reduzirem-se a nossa santa Fé Católica dos quais é principal um tapuia de muito boa traça e muito fiel segundo o que até o presente tem mostrado chamado Cavalcanti (…) os quais foram com o dito capitão-mor e quarenta Cariris e dezesseis índios que tirei das aldeias e dez soldados desta praça”


O trecho acima se refere enviada pelo governador da capitania da Paraíba, Manoel Soares Albergaria, ao Rei de Portugal. Dom Pedro II, o Pacífico, relatando os feitos de Teodósio de Oliveira Ledo, tido e havido como quem descobriu Campina Grande. Todavia, há os que acreditam haver povoamento antes da chegada de Teodósio.
Todavia, estudiosos lembram da existência, um ano antes desta carta, do livro Istoria delle Guerre del Regno del Brasile Accadute tra la Corona de Portogallo e la Republica de Olanda, de autoria de Frei Gioseppe Santa Teresa, publicado em Roma por Andreas Antonius Horatiy, em cujo mapa há indícios de que Campina Grande já figuraria.


FATOS IMPORTANTES


Aldeia


1697 – Aldeamento dos índios Ariús, tribo “domesticada” por Teodósio de Oliveira Ledo, capitão-mor das fronteiras das Piranhas, Cariri e Piancó, que levava este grupo consigo quando, vindo do Sertão, iria a capital atender ao chamado do governador-geral.  Ao ir por um caminho diferente, deparou-se com uma “campina verde”. Demorou-se no local e por ter gostado do lugar ali resolveu aldear os seus índios. 


Onde hoje situa-se a rua Vila Nova da Rainha foi onde os índios fizeram suas primeiras habitações em casas de taipa. A principal fonte econômica da época era a feira das Barrocas, por onde transitavam tropeiros.


Freguesia


1769 –   Campina Grande torna-se Freguesia, medida que contribui para que haja um maior crescimento, algo que não vinha acontecendo desde então.


Vila


1790 – Por escolha do Ouvidor Brederodes, Campina Grande é feita Vila. Em homenagem à Rainha Dona Maria I, há uma mudança no nome: Vila Nova da Rainha. Mesmo com o decreto real, os moradores continuaram a chamar de Campina Grande o lugar em que viviam. O nome  imposto pelo rei só constava em ofícios e textos oficiais.


Cidade


1864 – Por Lei Provincial nº 137m Campina Grande é elevada à condição de cidade. É a sexta da Paraíba que já contava com Parahyba (antigo nome da capital), Mamanguape, Areia, Souza e Pombal


A revolta de Quebra-Quilos


Anos 1940. Atual rua Augusto Severo, centro. Um alemão arrancara a placa com o nome que designava o seu endereço, rua João Carga D”Água. Por que razão fizera isto? “Não moro em uma rua com nome de um negro”.
 
Mas, quem foi João Carga D” Água para merecer a distinção de um nome de rua, ainda que fosse postumamente vítima de racismo. Qual foi sua história?
 
Recuemos no tempo. Estamos na feira de Fagundes, à época pertencente ao município de Campina Grande. O ano é 1874. De repente, descendo pela Serra do Bodopitá, uma legião de homens revoltados partia para o comércio quebrando os novos instrumentos de medição e aferimento instituídos por Lei Imperial desde 1862, mas só com vigência a partir de 1872.
 
Como era isso, então? Quem se acostumou a mensurar seus preços e a medir suas mercadorias em palmos, jardas, onças, cuias, arrobas, libras, côvados… tinha agora que se submeter a outro sistema e ter de adquirir equipamentos novos. Além do que era preciso também pagar o “imposto de chão”, aos que expusessem mercadoria no chão da feira.
 
Havia ainda outros complicadores. A lei proibia o uso dos antigos padrões. Os instrumentos novos deveriam ser alugados ou comprados na Câmara Municipal, ao preço de 320 reis por carga. O que acontecia? O valor era repassado para a população.
 
Tudo isso eclodiu em insatisfações. Voltemos à Campina Grande. À deflagração da revolta. No meio do tumulto, a polícia tentava impor a ordem. Conter os ânimos. Todavia, um silvo risca o ar e um tijolo de rapadura acerta em cheio o rosto do delegado. Quem o arremessou? Nosso conhecido. João Vieira, o Carga D”Água, logo identificado como um dos líderes dos Quebra-Quilos.
 
A multidão agora com novos líderes, Manoel de Barros Souza, o Neco de Barros  e Alexandre de Viveiros, arrombou a cadeia pública, soltando os presos, além de invadir a Câmara Municipal e os cartórios queimando livros e arquivos públicos. Nada contra os poderes constituídos no gesto. Viveiros era acusado de um crime e queria livrar-se das provas…
 
A revolta se alastrou como rastilho de pólvora chegando a outras cidades como Cabaceiras, Alagoa Grande, Bananeiras, Guarabira, Pilar, São João do Cariri, além de ultrapassar as fronteiras da Paraíba atingindo Pernambuco e Alagoas, sendo reprimida pelas forças do Império.


O progresso entrava nos trilhos


Bandas de música faziam evoluções. No céu, fogos de artifício riscavam o horizonte anunciando a boa nova. Finalmente, o trem chegava a Campina Grande. No dia 2 de outubro de 1907, quando a máquina número 3 da Great Western aportou, estima-se que a população da cidade chegasse a um contingente de 6 mil habitantes. Compareceram ao evento nada menos que 4 mil pessoas.


Quase a cidade inteira. Unida. Como sempre acontece ser em momentos de alegria ou tristeza. A capacidade do campinense de se agregar. De se fazer um só. Por volta do meio dia, o trem chegava. Adornado com duas bandeiras do Brasil e totalmente coberto por palmeiras.  O Diário Oficial em 26 de julho de 1904 já publicava o Decreto Federal 5. 237 que versava sobre o contrato do Governo com a Great Western para a construção da Ferrovia Itabaiana – Campina Grande.


Após ser iniciada a construção, a obra estacionou em Alagoa Grande. O prefeito da época, o “gringo” Cristiano Lauritzen teve de ir, dizem os registros que com recursos próprios, duas vezes ao Rio de Janeiro para conseguir do então presidente da época Rodrigues Alves, os recursos para a complementação da obra.


Estudioso no assunto, o professor Gervácio Batista Aranha, do Departamento de História da UFCG, com tese defendida na Unicamp sobre o assunto, tema “Trem, Modernidade e Imaginação na Paraíba e Região”, conta que “onde o trem chegava havia uma movimentação econômica muito grande sem contar nas mudanças comportamentais e culturais que a chegada da novidade promovia no cotidiano da população “.


Para o professor, a chegada do trem “era a realização de um sonho alimentado por mais de duas décadas pela população e autoridades locais”.


O século XIX, encerrado pouco tempo, era sepultado de vez e a influência do Brejo paraibano como força econômica era ultrapassada pela pujança de Campina Grande que dava o pontapé para sua futura consolidação. O século XX estava chegando. Ele vinha nos trilhos de um trem.


Carlos Gardel canta na Serra da Borborema


Cassino Eldorado, Campina Grande, década de 30 do século passado. A banda tocava o último tango antes da atração principal. No salão, para 40 mesas, garçons vestidos a caráter levavam bandejas de champagne a todo instante. A atmosfera era nevoenta, charutos e cigarros de marcas famosas incensavam o ar. Homens elegantemente vestidos, cuja fortuna lhes dera o algodão, não economizavam no luxo, nem no glamour. O locutor tira um lenço elegante do bolso do paletó e anuncia ao microfone a grande atração da noite como a não se conter de orgulho e felicidade.
 
“E com vocês, o inimitável. O extraordinário. O único. O genial: Carlos Gardel!”.
 
Antes que imaginemos a figura simpática, chapéu na cabeça, sorriso nos lábios adentrar o palco do Cassino El Dourado, convém pensarmos um pouco nesta lenda. O orgulho campinense é mesmo sem tamanho. O mito de que a maior lenda do tango esteve na Serra da Borborema é presente ainda na alma da cidade. Houve quem tenha escutado história, dita por pessoa fidedigna até. Há quem acredite mesmo que Gardel esteve aqui para entreter os barões do algodão. Mas, por mais ufanistas que sejamos, há um problema histórico incontornável a se resolver para aqueles que acreditam que Gardel esteve mesmo cruzando a Rua dos Currais, na Feira de Central de Campina Grande. Gardel morreu em 1935. Dois anos antes da fundação do Cassino El Dourado.
 
A simples referência de que a Voz do Tango esteve na Serra da Borborema dá um pouco da dimensão de fastígio, luxo que imperava naqueles tempos. E não é para menos. Desde a chegada do trem, em 1907, que impulsionou o comércio da cidade, a população local teve um salto de mais de 600%, chegando a marca de 130 mil habitantes no transcurso de pouco mais de três décadas.


A riqueza do ouro branco


Não era para menos o “boom” populacional. Campina Grande se consagrara como a segunda maior exportadora de algodão do mundo. Perdia apenas para Liverpool, na Inglaterra. Foi assim até a década de 40.
 
Há que se registrar, porém, que não era a cidade quem produzia o ouro branco, mas cidades vizinhas. O grande detalhe é: Campina Grande era a única cidade do interior do Brasil a possuir naquele tempo uma máquina de beneficiamento de algodão. 


Com a chegada do trem, a exportação foi dimensionada. Até 1931, a Paraíba liderava o ranking de produção algodoeira no Brasil: 23 milhões de quilos de algodão em caroço.
 
No ensaio, “Campina Grande – Uma Cidade do Estado Novo à Guerra Mundial (1937/45), o historiador José Octávio de Arruda Melo afirma que:


“Não foi pequena a participação de Campina Grande na História da Paraíba do período 1937/45. A Interventoria Federal foi, inicialmente, ocupada por um seu representante, mediante o que o grupo algodoeiro campinense encontrava-se no poder. Essa a interpretação oferecida pelos que se ocuparam da conotação social do Secretário do Interior, Governador e, enfim, Interventor Argemiro de Figueiredo.


A força do algodão comercializado por Campina Grande, era tão manifesta que, em março de 1937, o Secretário do Ministério de Política Exterior da Alemanha esteve na Paraíba para entendimentos com o Governo que tinha nesse produto a base econômica de projeto autoritário-modernizador.


Algodão colorido


Da mesma forma como poeticamente as trilhas e os entrecruzamentos ancestrais dos Tropeiros são revividos simbolicamente pelos caminhos cibernéticos que, sem fio, fazem com que Campina Grande esteja interligada ao mundo como uma grande referência no mundo tecnológico, a era de ouro do algodão também refaz o seu ciclo. Desta vez, o século XXI vem com outras cores.
 
O ciclo do algodão foi interrompido na década de 40 devido a uma série de fatores, o mais proeminente deles a praga do bicudo. Mas, em 2000 essa história começou a ser reescrita e a ganhar novos capítulos. Dez empresas paraibanas reuniram-se em consórcio para produzir vestuário utilizando algodão que já nasce colorido. Para que isso acontecesse, técnicos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária em Campina Grande melhoraram geneticamente a qualidade das fibras, para que fosse possível o processamento industrial em máquinas de fiação.
 
Atualmente, produtos têxteis feitos com o algodão colorido naturalmente, já  vendidos em 150 locais no Brasil e 11 países, incluindo Estados Unidos, Japão, Itália e Austrália. De acordo com dados do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), cerca de 230 famílias em 25 cidades da Paraíba cultivam o algodão, cuja cor se deve à genética deste produto tradicional no estado nordestino. A venda do algodão gera mais de R$ 420 mil em renda para as famílias a cada ano.


As Borboletas Azuis


Se famosos profetas e culturas em todos os tempos e em todo o mundo marcaram uma data para o fim da humanidade, Campina Grande também teve o seu profeta. O Nostradamus da Serra da Borborema chamava-se Roldão Mangueira.  Sua seita, um misto de doutrina católica, protestante e espírita, foi criada em 1961 quando em meio ao incêndio que consumia o seu depósito de algodão e agave, Roldão Mangueira teve uma visão. Encontrou-se com o próprio São Francisco de Assis.
 
Houve quem especulasse que a autoria do incêndio tenha sido do próprio Roldão. Artimanha feita para que ele recebesse o dinheiro do seguro. Ele sempre negou isso. Negou com veemência. O fato é que após este episódio, Roldão fundou  Casa da Caridade Jesus no Horto”. A igreja não chamou da cidade até que o nosso profeta tem uma revelação, que é impressa em folhetos e distribuída em junho de 1978 anunciava que o mundo iria acabar. E seria em 13 de maio de 1980. Um dilúvio inundará a Terra. Só serão salvos aqueles que obedeceram a determinados preceitos: ser católico; vestir-se de azul e branco; andar de pés descalços e não manter relações sexuais.
 
Em reportagem feita às vésperas do anunciado dilúvio, o Diário de Pernambuco enviou como correspondente um conhecido da cidade, o futuro publicitário e cineasta, campinense radicado em Recife,  Amin Steple. Ele começava o seu texto, de 11 de maio de 1980, assim: “A primeira página da edição  de terça-feira do Diário da Borborema já está pronta: “Começa hoje o dilúvio anunciado pelos “Borboletas Azuis””.


A seita ganhou destaque nacional após ser assunto de reportagem em um telejornal da Rede Globo. O mundo ainda estava assombrado com atitudes extremas de fanatismo religioso. Apenas dois anos antes da profecia de Roldão, o pastor americano Jim Jones havia levado 900 pessoas ao suicídio, inclusive ele próprio se matou no ato de histeria coletiva, em uma selva na Guiana.  Eram integrantes da seita Templo dos Povos.
 
Nada mais natural do que ligar um fato ao outro. Ninguém sabia do que era possível uma receita que envolvia doses de fanatismo. A chuva prevista por Roldão duraria 4 meses e consumiria todos os pecadores do planeta. Sem fugir do timbre visionário dos loucos e dos profetas, Roldão pregava: “Uma enorme bola de fogo cruzará o céu, o Sol girará por três vezes consecutivas, um ensurdecedor trovão ecoará por toda a Serra da Borborema. Em seguida choverá ininterruptamente por 120 dias”.
Nada disso aconteceu. A falsa profecia caiu no anedotário. Virou motivo de piada.
 
Passados quase 30 anos do ocorrido, Roldão Mangueira morreria dois anos depois do “dilúvio”, a seita foi diminuindo, mirrando, os membros mais antigos envelhecendo. Mas, até outro dia era possível ver uma senhora, pequena, pés descalços, toda vestida de azul cruzando a paisagem de Campina Grande.


No cordel


Quem aproveitou para glosar o assunto foi o poeta, radialista alagoano, radicado em Recife, Aldemar Paiva: 


O Pastor Roldão Mangueira
gritava na pregação
que na terça-feira 13
ia haver inundação
que acabaria com o mundo
pecaminoso e imundo
do litoral ao sertão.


Causou muita apreensão
a maldita profecia
deixando Campina Grande
na mais completa agonia.
A Casa da Caridade
era o ponto da cidade
pra onde o povo correria.


O dilúvio que viria
na terra só respeitava
a seita dos borboletas
que prevenida já estava
com jangada e alimentos
bóias e medicamentos
que o próprio Roldão juntava


Porém o sol brilhava
na terça-feira todinha
anunciava ao povão
que o dilúvio não vinha.
Já tinha nego equipado
com o barco pronto ancorado
na saída da cozinha.


Vendo a cidade sequinha
e que tudo era besteira
o Roldão adoeceu
e se enrolou numa esteira…
Com a bexiga doente
água morna, fria ou quente
Não teve nem na “mangueira”.


O Vale do Silício Brasileiro


Tradição e modernidade. Campina Grande é o “Vale do Silício Brasileiro”. Pode até haver quem se espante e veja um pouco de exagero na expressão. Os mais maldosos, tenderiam a creditar que esta alcunha foi elaborada por algum filho mais exaltado. Ledo engano. A expressão foi utilizada pela repórter Miriam Mahlow nas páginas da revista americana Newsweek.


Tudo começou lá atrás. Em 1952, era fundada a Escola Politécnica de Campina Grande, primeira instituição de ensino superior da cidade, que oferecia o curso de Engenharia Civil, sendo, portanto, o embrião da Universidade Federal em Campina Grande.


A vocação para o pioneirismo sempre foi uma das marcas da cidade. Em 1967, é instalado o primeiro computador do Norte e Nordeste, um imenso IBM 1130 – era necessário toda uma sala para sua instalação e uso.


E por falar em pioneirismo, mesmo que possa soar repetitivo, sair na frente sempre foi uma das maiores vocações da cidade. A Fapesq foi pioneira no país na criação de mecanismos de estímulo para que ideias se tornassem em produtos e serviços. A instituição criou em 1988 o seu Programa de Incubação de Empresas de Base Tecnológica (ITCG) que tem como objetivo fortalecer e apoiar empreendimentos tecnológicos, proporcionando-lhes condições básicas para a viabilização e operacionalização de novos negócios.


Há ainda na cidade a Fundação Parque Tecnológico, que compõe o chamado “Oásis da Ciência e Tecnologia”. É uma entidade sem fins lucrativos voltada para o avanço científico e tecnológico do Estado. A Fapesq foi citada Newsweek como um dos principais instrumentos de disseminação e transferência de tecnologia da Paraíba


Cidade se destaca no mundo


Outro grande motivo de orgulho. Em abril de 2001, a mesma revista Newsweek colocou Campina Grande em um ranking dos mais prestigiados. A Rainha da Borborema figurou como destaque entre as 9 cidades que  representam um novo modelo de Centro Tecnológico. Única na América Latina, a cidade ficou ao lado de centros importantes como Akron (Ohio – EUA); Huntsville (Alabama – EUA); Oakland (Califórnia – EUA); Omaha (Nebraska – EUA); Tulsa (Oklahoma – EUA); Campina Grande (Paraíba – Brasil); Barcelona (Espanha); Suzhou (China); Côte d”Azur (França).


Veja a tradução do artigo:


“(…) Na aridez do Nordeste brasileiro, existe um oásis de chuva e oportunidade. Há meio século, os comerciantes de Campina Grande importaram as primeiras prensas de algodão que fizeram da cidade um importante centro têxtil.


Hoje, essa cidade no meio de lugar nenhum abriga 50 empresas que fabricam de tudo, desde softwares até painéis de publicidade. Campina Grande dita o padrão da indústria tecnológica do Brasil.


A chave do sucesso é a Universidade Federal da Paraíba. Em 1967, acedêmicos paraibanos convenceram as autoridades locais a comprarem um mainframe da IBM de US$ 500 mil, criando uma tradição no setor da computação que hoje atrai estudantes de toda a América Latina.


Desde 1984, a Paraíba tem um Parque Tecnológico que já deu origem a 60 empresas que usam alta tecnologia, desde fazendas de criação de camarões até portais de Internet.


Entre os projetos bolados pela universidade está o da Light Infocon que produz softwares usados pela polícia para rastrear traficantes de drogas. O talento local também criou a Coteminas, a mais sofisticada indústria de malhas da América Latina.


O dinheiro gerado pelo setor de tecnologia representa quase 20 por cento dos US$650 milhões da receita da cidade e explica porque a renda média da população local é de US$ 2.500 por ano, o dobro do restante do Nordeste. A tecnologia dá lucro mesmo no meio de lugar nenhum (…) “


Cidade é pródiga em empresas de alta tecnologia


Campina Grande possui dezenas de empresas de base tecnológica na área de informática, algumas delas desenvolvendo um trabalho que serve de referência no Brasil e no mundo. Entre essas empresas está a APEL, Aplicações Eletrônicas Ltda, fundada há 25 anos e que teve como marco inicial a difusão de música ambiente por linhas telefônicas, com um produto denominado sistema “Mousike”, cuja patente até hoje a empresa detém.


Sendo líder nacional em sonorização metroviária, a empresa tem uma clientela espalhada nos principais centros urbanos do Sudeste do Brasil, tais como em 226 trens urbanos elétricos, para as empresas CBTU-RJ, Central do Brasil, ao todo com mais de 29 estações no Estado fluminense. No Estado de São Paulo, a estação do Brás e Centro de Controle Operacional deste bairro e mais a os túneis da rodovia imigrantes (Megafonia) para Ecovias.    


A Light Infocon Tecnologia S/A especializou-se no desenvolvimento e marketing de softwares para a plataforma Unix. Produtos pioneiros foram desenvolvidos, incluindo um processador de textos (InfoWord), padronizado para plataformas Unix no Brasil, uma linguagem/ambiente de entrada de dados (LTDhs) definida como padrão pelo SERPRO e pelos grandes bancos do país, e o SpoolView, um sistema de gerenciamento de impressão para Unix e Redes TCP/IP, premiado com o “Top of The World”  e utilizado por grandes corporações no Brasil.


O “clássico dos maiorais”


Determinados dias há que acionam um horizonte diferente na cidade. Algo no ar. Como se as moléculas de oxigênio estivessem carregadas. Quem circula entre o Calçadão, passa pela Praça da Bandeira, pressente a energia acumulada. Como se dois hemisférios estivessem a medir forças. Como se duas grandes energias se digladiassem. É assim sempre que tem Treze e Campinense no Amigão.


Monopólio comum às equipes de futebol das capitais de todo Brasil, na Paraíba o maior clássico, o clássico das multidões é realizado em Campina Grande. Se, como diz Nelson Rodrigues, “o Fla-Flu começou quarenta minutos antes do nada”, o confronto entre o Galo e a Raposa foi o responsável pela grande explosão do Big Bang.


Quem é de Campina sabe do que eu estou falando. Quem veste a camisa alvinegra, com as cores do Galo, ou rubro-negra, com as insígnias da Raposa, entende perfeitamente este sentimento.


É difícil imaginar um período em que não tenha havido confrontos entre os dois clubes, tal é a rivalidade entre ambos. Vamos à história. Mesmo que tenha sido criado antes do Treze, que é de 1925, o Campinense Clube, fundado em 1915, não teve vida longa com o seu departamento de futebol. Devido a brigas o time deixou de funcionar só retomando as atividades, interrompidas em 1918, lá pelo ano de 1954. O fato é que o Campinense era um clube da elite. Entretanto, com a decadência do algodão na década de 50 do século passado, o departamento esportivo, de apelo mais popular, foi reaberto.


Por aquele período, havia alguns clubes de futebol em Campina Grande, como o Sete, o Ypiranga, o que mais se destacava era o Paulistano. Mas, nenhum conseguiu galvanizar a imagem de rival, arquiinimigo, feito obtido pelo Campinense Clube, rivalidade que se mantém até hoje dividindo a cidade.


Para se manter em atividade, o Treze realizava uma série de amistosos contra equipes de outros estados do Nordeste, de Pernambuco, Rio Grande do Norte, isso sem falar nas grandes equipes do Rio de Janeiro e São Paulo faziam suas pré-temporadas por aqui pelo Nordeste. O Treze chegou a enfrentar alguns desses times, a exemplo do Flamengo, em 1955.


Galo e Raposa em Bananeiras


1977. Estava em jogo uma vaga para o campeonato nacional. Campinense e Treze reivindicavam esse direito. Para solucionar o problema foram marcados dois jogos em campo neutro, ambos vencidos pelo Treze. Oficialmente, houve outro momento em que o “clássico dos maiorais” foi realizado fora da Rainha da Borborema. Em 1989, jogo válido pela Taça Cidade de Campina Grande, a partida se realizou em Bananeiras, cidade natal do treinador do Treze à época, Erandir Montenegro.


Um trezeano na “toca”


Todo mundo em Campina sabe que falar em Bioca é falar em Treze. Nada mais natural. Foi na casa dele que o Treze foi fundado. Quem  foi primeiro presidente, ainda que interino do clube? Ele mesmo: Bioca.


Mesmo com a alma alvinegra, Bioca tinha um coração que batia além das cores do seu time. Ele amava o desporto. Por esta razão, Bioca ajudar na reformulação do departamento de futebol do Campinense.
a escolha do mascote


Como o Treze tinha o Galo como animal de estimação e xodó de sua torcida, o Campinense, ao escolher o seu símbolo, fez questão de infundir a rivalidade que sempre temperou a relação entre os times e por esta razão escolheu a Raposa, animal que se alimenta de aves.


Garrincha joga no Treze


Se o mais ufanista dos trezeanos, fosse ao Calçadão da Cardoso Vieira e disse que dali seis anos, a maior estrela do Brasil na Copa de 1962, Garrincha, estaria vestindo a camisa do Galo, seria motivo de gozação.


Mas isso aconteceu. Em 1968, quem vestiria a camisa número 7 do Treze era um Garrincha já dando sinais de decadência física, atacado pelo álcool, aos 35 anos e sem clube. A partida era um amistoso entre o Treze e a Seleção da Romênia que venceu o jogo pelo placar de 2 a 1. Garrincha não fez gol. Dizem que o Anjo das Pernas Tortas no jogo figurou apenas sombra daquilo que sempre foi em campo.


Campinense: melhores momentos


1915 – Fundação do Campinense Clube.
1918 – Ativação do departamento esportivo.
1954 – Reativação do departamento esportivo.
1958 – Profissionalização do Campinense Clube.
1960 – Início das disputas no Campeonato Paraibano.
1961 – O Campinense consegue cinco títulos consecutivos, de 1961 a 1965, sendo o feito insuperável até hoje. O título histórico veio contra o Botafogo, placar de  1 a 0, no Estádio Plínio Lemos.
1971 – Disputa da Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro.
1972 – O time conquista o vice-campeonato nacional da Segunda Divisão, seu maior feito.
1975 – Ingresso na 1ª Divisão do Campeonato Brasileiro, feito até então inédito para um time paraibano.
1979 – Célebre campanha no Brasileirão, com direito a destaque na revista Placar.
2003 –  Chegada da Raposa à fase final da Série C, obtendo a quarta posição.
2008 – Ao ficar em 3º colocado na Série C, o Campinense consegue finalmente participar da Série B.


TREZE: melhores momentos


1925-  Fundação do Treze
1940-  Inauguração do estádio Presidente Vargas. Primeiro título de campeão do Estado e bicampeonato da cidade.
1966- Campeão estadual. Invicto.
1967-  Disputa a “Taça Brasil”. O atleta alvinegro Chicletes foi o artilheiro da competição.
1976: Participação no Campeonato Nacional.
1979 – Adelino, atleta alvinegro, iguala feito de Pelé, ao marcar oito gols em uma partida oficial, contra o Nacional de Cabedelo, que perde por 13 x 0
1981 a 1983: Tricampeão Paraibano.
1986 – O Treze conquista o Módulo Amarelo do Torneio Paralelo da CBF, correspondente à atual Segunda Divisão.
1999 – O Treze é a primeira equipe paraibana a passar para a segunda fase da Copa Brasil.
2001 – Conquista o bicampeonato paraibano.  
2006 – Novo bicampeonato paraibano.
2007 – Passa à segunda fase da Copa do Brasil, sendo eliminado pelo Corinthians.


Campina Grande em festa


Em praticamente todo o Brasil, o mês de fevereiro começa sacudindo o ano com o carnaval. Até nisso Campina é diferente. Aqui todos os caminhos levam a uma Nova Consciência, um evento que se desdobra em uma série de eventos paralelos, cujo objetivo principal é o congraçamento, a reflexão, espaço em que se discutem assuntos dos mais variados como religiosidade, filosofia, cinema, literatura, cultura popular, além das apresentações artísticos culturais e shows.


Realizado desde 1991, o encontro atrai pessoas de diversas partes do país. Já passaram pela programação da Nova Consciência grandes nomes como Jorge Mautner, Leonardo Boff e Paulo Coelho. Isso sem falar nas grandes atrações artísticas que já passaram no palco do evento: Siba e a Fuloresta, Dj Dolores, Marines, Maciel Salu, Nando Cordel.


Micarande


Se o carnaval é apenas uma memória durante os três dias da folia, desde 1989 Campina Grande é realizada a Micarande. Foi a primeira “micareta” feita para além dos limites baianos, os grandes inventores da festa. Mas, se engana quem acha que Micarande tem apenas axé music, com seus animados trios-elétricos. Sai nas ruas, neste período, o tradicional “Bloco da Saudade”  recordando os antigos carnavais campinenses.


Há quem hoje se lembre não sem um travo de saudade da época em que na festa existiam blocos locais a exemplo do Spazzio, Batata, Pike e Galo de Campina, o que dava um tom de torcida organizada à festa


São João


A pirâmide do Parque do Povo é o ponto de convergência. É o Quartel General do Forró. O mês de junho é o ponto alto do turismo em Campina Grande.   A cidade veste as cores da festa mais nordestina que existe e se torna um imenso arraial, com fogueiras, bandeiras, balões. Em todo Parque do Povo, chamado a alegria toma conta das ilhas de forró, concurso de quadrilhas, casamento coletivo. Além dos 30 dias de animação com a participação dos grandes nomes do forró, o turista dispõe ainda do passeio no Trem Ferroviário, pode conhecer o Sítio São João, réplica de uma casa de interior acoplada a uma casa de farinha, capela e bodega.


Festival de Inverno


Outro evento de grande destaque é o Festival de Inverno. Teatro, música, dança contemporânea, além de fóruns e debates sobre temas dos mais pertinentes ligados à cultura nordestina. O evento  tem trazido à cidade nomes importantes da cultura nacional como Ana Botafogo, Carlinhos de Jesus, Ariano Suassuna, além de grupos de dança e teatro dos mais representativos na arte contemporânea, a exemplo do Grupo Corpo e do Grupo Galpão. O evento é realizado há mais de 30 anos e é organizado por Eneida Agra Maracajá.


Festival de Violeiros


“A Meca da Poesia”. Durante muito tempo Campina Grande foi chamada assim.  O sonho de todo cantador era morar na cidade. A tradição da cantoria ainda é mantida acesa, através do Festival Nacional de Violeiros. Idealizado e promovido anualmente pela Associação de Repentistas Poetas Nordestinos (ARPN), o festival apresenta os maiores nomes da cantoria de viola. Pelo seu palco já passaram nomes consagrados do repente como Manuel Xudu, João Furiba, Severino Ferreira, Ivanildo Vila Nova, Raimundo Caetano, Raimundo Nonato e Nonato Costa, Oliveira de Panelas, Diniz Viturino, além dos declamadores Chico Pedrosa, Zé Laurentino, Patativa do Assaré e dos emboladores de coco Caximbinho, Geraldo Mousinho, Toinho e Dedé da Mulatinha, Caju e Castanha, Lavandeira do Norte e Curió de Bela Rosa.


Campina em outras canções


Tropeiro da Borborema
(Raimundo Asfora/ Rosil Cavalcante)


(Refrão)


Estala relho marvado
Recordar hoje é meu tema
Quero é rever os antigos tropeiros da Borborema


São tropas de burros que vêm
do sertão
Trazendo seus fardos de pele e algodão
O passo moroso só a fome galopa
Pois tudo atropela os passos da tropa
O duro chicote cortando seus lombos
Os cascos feridos nas pedras
aos tompos
A sede e a poeira o sol que desaba
Rolando caminho que nunca
se acaba


Assim caminhavam as tropas cansadas
E os bravos tropeiros buscando pousada
Nos ranchos e aguadas dos tempos de outrora
Saindo mais cedo que a barra
da aurora
Riqueza da terra que tanto se expande
E se hoje se chama de Campina Grande
Foi grande por eles que foram
os primeiros
Ó tropas de burros, ó velhos tropeiros.


Forró em Campina Grande
(Jackson do Pandeiro)


Cantando meu forró vem à lembrança
O meu tempo de criança que
me faz chorar.


Ó linda flor, linda morena
Campina Grande, minha Borborema.


Me lembro de Maria Pororoca
De Josefa Triburtino, e de Carminha Vilar.


Bodocongó, Alto Branco e Zé Pinheiro
Aprendi tocar pandeiro nos forrós de lá.



Forró de Zé Lagoa
(Rosil Cavalcante)


(refrão bis)
Se você não viu, vá ver que coisa boa
Em Campina Grande o forró de Zé Lagoa


As oito horas Zé do Beco, o sanfoneiro
Acende o candeeiro, dá as ordem a Juvenal
Seu Zé Melado do Catô toma a primeira
E começa a brincadeira com respeito e com moral
Tem mulher boa do bairro de Zé Pinheiro
Tem uns cabras do Ligeiro tudo armado de punhal
Num reservado se vende boa cachaça
Mariquinha dá de graça tira-gosto especial


As dez e meia corre gente no terreiro
Se não é cabo Vaqueiro é o cabo Boca-Mole
Revista o povo e toma um saco de peixeira
Prende mulher ruaceira vai lá dentro e toma um gole
Mete o cacete com mais de nove soldados
Cabra frouxo e amedrontado lá no canto nem se bole
E Zé Lagoa que era o dono do forró
Não fez trança nem deu nó, apanhou que ficou mole


Campina de outrora
(João Gonçalves)


Eu vou falar das coisas boas que passaram
Em Campina Grande que ficou para trás
Do Forró de Adelma e de Dona Mulata
Do Pula Varanda que não volta nunca mais
Do ponto Central e do Bar Petrópolis
Do tempo da burra do café São Braz


(refrão)


Ponto sete, Ponto Chique, Macaíba,
Ó, Campina Grande que recordação,
Ponto sete, ponto Chique, Macaíba,
Coisas do passado que me deram inspiração


Do Doutor Telha, Jataí e Hilton Mota
Do velho Gaúcho e Latércio Godói
Do bate papo de Cristino Pimentel
Rosil Cavalcanti, recordar, ai, como dói
De Zé Bezerra e de Raul Pequeno
De Ibraim Rama e de Ronaldo Elói


E hoje em dia pra matar minha saudade
Dou uma voltinha lá no calçadão
Encontro muitos deles de cabeça branca
Com um pacotinho de amendoim na mão
Catando marra e dizendo lorota
Vivendo como eu de recordação


Saudade de Campina Grande
(Rosil Cavalcanti)


Quando me lembro de Campina Grande,
Peço notícias e você mande!


Ai que saudade de Campina Grande,
Peço notícias e você mande!


Tenho saudades de Campina Grande:
Da lagoa dos canários e do Zé pinheiro,
Dos banhos do domingo no Bodocongó,
De Zacarias Cotó, banho do Louzeiro;
Lembrando a Borborema passa o dia inteiro,
E vem o Açude Velho na Imaginação…
Não esqueço as serenatas que fiz no imboca,
E das rodinhas de bióca com seu violão!


Quando me lembro de Campina Grande… (Refrão)


Lembro ainda o Zé Iracema, “center-foward” do Paulistano em dia de jogo,
Com o Treze, velho Galo lá da Borborema… Que jamais teve problema, pegava fogo!
Tenho lembranças de Pedro Macaco, que só era homem fraco quando olhava o céu…
Não esqueço o Cine Apolo, o esfola bode, e como é que agente pode esquecer o pitel?


Quando me lembro de Campina Grande… (Refrão)


Lembro ainda Cabo Marinheiro, que em cabra desordeiro dava de verdade;
Jamais esquecerei a prosa de Rozendo, e o picado cem por cento da liberdade…
Saudades de Cristino e de sua fruteira, também do pastoril de Chico Macaíba;
Carnaval de Neco Belo que não volta mais,
Que saudade de Campina Grande, Paraíba!


Campina é um marco na cultura popular


Elas são três. Irmãs. Cantavam. Vestiam-se parecido. Não podiam ver a cidade que continuava sua rotina, sem se aperceber delas. Quando muito uma ou outra esmola depositada em uma cuia de metal improvisada, como a metade de uma lata de queijo do reino.


Elas não viam porque a natureza lhes privou deste sentido. Aguçaram outros, porém. As três. As cegas. Mas, não eram apenas Maroca, Poroca e Indaiá que não conseguia enxergar Campina Grande tão impregnada delas e as tinham como componente da paisagem, sentadas, cantando, pedindo, na calçada da Livraria Pedrosa.


Não era só elas que não viam. Nós também não conseguimos enxergar um palmo além do óbvio. Não conseguimos compreender a riqueza da história daquelas três irmãs. Não conseguimos vê-las que, invisíveis, continuaram ali, cantando por algum trocado.


Até que, foi necessário isso, um olhar de fora, desacostumado com a paisagem que continuava dia após dia, percebeu, enxergou com outros olhos a riqueza da história e da poesia das três irmãs. O cineasta carioca Roberto Berliner ao enxergar cinema onde todos nós só víamos miséria provou que nós e, não as irmãs, é que eram os cegos dessa história toda.


É. A pessoa é mesmo para o que nasce, frase de Maroca que deu título ao filme é mais do que certa. E não bastasse ninguém de Campina não ter percebido o que está tão óbvio, tão na cara, foi preciso outro olhar, também de fora, desta vez de São Paulo para perceber a semelhança das irmãs com as três bruxas de Macbeth, clássico de Shakespeare. Foi, mais uma vez, outro “estrangeiro”, a dupla de encenadores de São Paulo Arieta Correa e Ederson José, que fez as irmãs subirem ao palco.


Continuamos ainda, muitas vezes, sem ver. Na feira do feijão, os cordéis xerocados de Toinho da Mulatinha, muitos nem se aperceberam do canto sincopado de seu irmão mais velho, Dedé, já falecido. Também, por tão natural que é, nos esquecemos de ver a graça e a alegria do palhaço Major Palito. Nem nos apercebemos do trato com a língua e da eloquência de Manoel Monteiro. Do traço estilizado da xilogravura em nanquim de Silas Silva. Nem ouvimos a voz melodiosa, a aparência de bluseiro do veterano Santino Luis, repentista que ao lado de tantos outros continuam fazendo seus versos como Apolônio Cardoso que teve os seus versos cantados por Letícia Sabetela em “O Romance”, filme de Guel Arraes.
 
Também nos esquecemos de olhar, por ser tão paisagem, a Casa do Cantador e a poesia rústica de Generino Batista. A voz ancestral dos cantadores antigos que ainda ressoa no canto do velho Manoel Soares. A legião é grande. Arnaldo Cipriano. Tião Lima. Erasmo Ferreira. Moacir Laurentino. Muitas vezes, em Campina Grande, ouvimos jovens repetir em coro, como missa, os versos rasgados por um Lirinha em transe, citando João Paraibano e, o próprio João, que tantas vezes esteve no teatro Severino Cabral fazendo versos na hora não conta com a audiência dessa plateia.
Precisamos abrir os olhos. Precisamos ver o que está ao nosso redor. O milagre, às vezes, está mais próximo do que a gente imagina.


Poesia fiel aos credos do passado


esde 1924, data da publicação do primeiro livro de poesia de que se tem notícia em Campina Grande, a obra “Horas de Enlevo”, do poeta Mauro Luna, uma obra que enveredava pelos caminhos das escolas passadistas como o romantismo, o parnasianismo e o simbolismo, a poesia em Campina Grande manteve-se fiel aos credos do passado.


Uma “plêiade” de poetas cultivou os sonetos, os versos de salão que tanto fizeram sucesso dos saraus e da boemia. Em torno da Fruteira, de Cristino Pimentel e do Grêmio Literário Machado de Assis, de 1953, orbitaram com nomes como Antonio Telha, Edvaldo Perico, Orlando Tejo, Ronaldo Cunha Lima, Nilo Tavares. Isso sem falar nos poemas em prosa de Félix Araújo. Salvo melhor juízo, fora uma ou outra experiência mais radical, como a de um poeta como Figueiredo Agra, a literatura em Campina Grande passou ao largo das discussões estéticas que fervilhavam em todo Brasil e até em João Pessoa que desde 1959 já procurava discutir os realinhamentos estilísticos do Estado.


Não se pode, porém, relegar a um segundo plano essa manifestação poética, tão ligada ao contexto da época e tão vinculada ao seu caráter de oralidade, a sua força retórica e, sobretudo, entender o sistema de formação da cidade.


Quando acontece o grande momento de ruptura na Paraíba, com a instauração da vanguarda literária com o grupo Sanhauá, em João Pessoa,  Campina Grande só veio participar desse debate anos depois, em 1977, quando foi fundada a Revista Garatuja. Sem exagero, dá para dizer, repetindo as palavras de um dos editores da revista, Marcos Wagner da Costa Agra, que para Campina Grande, a Garatuja simbolizou o que foi a Semana de 22 para o Brasil.


Desse grupo surgiram poetas que contribuíram na renovação estética da literatura local a exemplo de José Antônio Assunção, Antônio Morais de Carvalho, Braulio Tavares, o já citado Marcos e seu irmão Jakson Agra, Antônio Cardoso, Álvaro Luis,  além dos prosadores Edmundo Gaudêncio, Ricardo Soares e Arioswaldo Guimarães. Um caso meio à parte nesse grupo é o do uiraunense José Nêumanne Pinto, que seria a expressão da cidade mais próxima dos procedimentos experimentais da poesia praticada pelo grupo Sanhauá, mais não pertencente a este grupo e também não identificado com o grupo Garatuja, cuja revista veio ser editada quando o jornalista e poeta já havia deixado a cidade.


Na cena atual, surgem nomes como é o caso de Bruno Gaudêncio, Samely Xavier. No ensaio e na crítica literária, destacam-se a consagrada Elizabeth Marinheiro, o contista Ricardo Soares, fino e arguto ensaísta, Luciano Justino, Hélder Pinheiro e sua preocupação com a poesia, e José Mário da Silva, uma espécie de sistematizador da produção local.


O legado “artístico” de Chateaubriand


Em 1950, foi criada a Fundação da Escola de Artes de Campina Grande. Durou menos de três anos. Um grande salto veio a acontecer em 1967, quando foi criado o Museu de Artes Assis Chateaubriand, cujo nome inicial, vejam só, era Museu Regional de Arte Pedro Américo. O nome mudou para o atual em 1976, em homenagem ao seu fundador.


Hoje, o  museu conta com 474 obras. Pedro Américo (A Cabeça) e Aurélio de Figueiredo, Ismael Nery, Di Cavalcanti e Anita Malfati (A Beira do Riacho),  como Santa Rosa e Portinari (Espantalho), além de uma das maiores glórias da cidade, o internacional, Antonio Dias. Dos estrangeiros, destaque para as obras de Gaites, Alain Jaquet, Foujita, Eliseu Visconti, Frans Krajcberg, entre outros.  Dentre os nomes que despontaram na cidade, destaque para Amphus Pombo, Josafá de Orós, Saulo Ais.


De maior projeção fora da cidade é o trabalho do artista plástico Júlio Leite, com sua intervenção urbana, misto de curadoria com ocupação de espaço em um caixa eletrônico da praça Clementino Procópio, a Galeria do Cilindro, que vem participando de Bienais importantes, como a de  Cuba, e a Bienal Latino Americana do Vento Sul,  realiza em Curitiba, ambas este ano.


Berço de grandes forrozeiros


cidade que faz o maior São João do Mundo não pode fugir de uma vocação. A de receber e ser berço de forrozeiros de primeira linha. Nascido em Alagoa Grande, mas vindo para Campina Grande aos 13 anos, Jackson do Pandeiro, o Rei do Ritmo, afinando sua caixa de fósforos, onde costumava batucar, nos clubes, cabarés e na paisagem de Campina Grande foi se moldando e se transformando no grande ídolo que é hoje.


O curioso é que Jackson foi preparado pela Copacabana Discos, em Recife, para fazer frente ao grande sucesso da CBS, Luiz Gonzaga. Se houve rivalidade entre ambos durante a vida, Campina Grande tratou de celebrar o encontro das duas maiores expressões da cultura nordestina com um monumento às margens do Açude Novo, onde Jackson e Gonzagão estão retratados por meio de estátuas. Interessante é ressaltar um elo entre ambos, o compositor Rosil Cavalcanti, que compôs músicas para ambos, além de se transfigurar no personagem radiofônico Zé Lagoa. Pernambucano, radicado em Campina Grande, foi também  locutor e ator.


A hierarquia do forró possuiu várias comendas. Uma delas, a de Senador do Rojão, foi dada a um dos mais irreverentes nomes de nossa música, Genival Lacerda. Ele despontou nacionalmente com as músicas divertidas, de duplo sentido e por sua presença histriônica no palco. Um bom fornecedor de hits para Genival foi o também campinense João Gonçalves, autor de “Severina Xique-Xique”, este sim, também premiado nas patentes do forró como Rei do Duplo Sentido. Fichinha comparada às letras dos forrós de plástico pornográficos, a música de João Gonçalves soa brejeira, até ingênua hoje em dia. “Hitmaker”, não só fez forrós em duplo sentido, o que lhe valeu ter seu disco quebrado em rede nacional pelo famigerado Flávio Cavalcante, o que lhe trouxe problemas com a censura dos militares logo depois, João Gonçalves é autor de verdadeiras joias poéticas, a exemplo de “Lugar ao Sol”, gravada por Dominguinhos.


Também adotada, vinda de Pernambuco, da cidade de São Vicente Férrer, a Rainha do Xaxado, Marinês deslumbrou ninguém menos que o Rei do Baião Luiz Gonzaga que de imediato  a convidou para acompanhá-lo.  É possível, sim, dizer que de alguma maneira Elba Ramalho, embora ampliando o seu arco musical com mais referências, da MPB, sobretudo, seja uma herdeira de Marinês. De Conceição, interior paraibano, Elba veio para Campina Grande. Aqui estudou, fez teatro. Descobriu sua vocação. Ela é da mesma geração, do mesmo grupo que artistas como Tadeu Matias, Bráulio Tavares. Posteriormente, veio Capilé, com seu toque meio MPB, meio forró, que depois entrou numa outra linha, mais atinada com o mercado. 


Campina Grande não é só forró. Lembremos do Festival Campinense da Canção Popular, realizado pela Facma, que teve como um dos seus vencedores, Carlos Aranha. Lembremos do cosmopolitismo de Fidélia Cassandra, cantando Billie Holiday, do teclado mágico de Gabimar, das rodas de choro com o Duduta e Seu Regional e o Receita de Choro.


Mas o pé na tradição ainda se finca. Seja com a irreverência quase militante de Biliu de Campina, seja com o diálogo entre o forró comercial e a poesia que é tão bem feito por Amazan, Ton Oliveira. E o que dizer do vulcão que é o seu Benedito do Rojão, até pouco tempo esquecido e hoje celebrado por sua voz melodiosa e limpa cantando cocos e forrós como um descendente direto de Jackson do Pandeiro? 
 
Campina deu ainda Cabruêra, nossa resposta à movimentação Mangue, acontecida na década de 90, no Recife. Além do pop jazz instrumental do grupo Aerotrio, a poesia teatral do Marxuvipano, herdeiros de Tom Zé e Frank Zappa, além do inventivo suingue de Toninho Borbo, uma voz reprocessada de Lenine com Caetano Veloso e Chico Science. E para terminar, o novíssimo Robson Bass, com seus sambas em inglês e suas letras simples e despretensiosas.


Um dos primeiros registros de atividade teatral em Campina Grande data de 1925, com a fundação do”Cine Teatro Apolo”, o que redundou no surgimento do primeiro grupo teatral campinense, “O Corpo Cênico do Grêmio Renascença”.


Um dos impulsos à produção teatral aconteceu na década de 50, com a implantação da rádio Teatro Borborema. Mas, o grande destaque mesmo veio com a construção, em 1963, do Teatro Municipal Severino Cabral. O espaço é um estímulo. Daí surgem grupos a exemplo Teatro Universitário Campinense, que teve diretores como Wilson Maux, Milton Baccarenlli e Walter Pessoa.


Neste período, Antonio Alfredo Câmara funda o grupo “Raul Pryston”. Por sua vez,  Adhemar Dantas adota o “grupopovo”, que se tornaria “Cacilda Becker”. Também é fundado o Gevar, por Hermano José. Com os corais falados,  Elizabeth Marinheiro, por meio do Fundação Artístico Cultural Manoel Bandeira, amplia a perspectiva dos jograis poéticos.


Quando Eneida Agra Maracajá assume a direção do Teatro Municipal, em 1973, promove o  do I- Festival Nacional de Teatro Amador, nascedouro do Festival de Inverno de Campina Grande. Entre a década de 70  e 80, o encenador Moncho Rodriguez revela para o Brasil a grandiosidade do teatro de dona Lourdes Ramalho, uma das mais importantes vozes da dramaturgia nordestina.


Cinema/ cineclube


Foi há 100 anos, em  1909 que a cidade de Campina Grande ganha seu primeiro cinema, o Cine Brazil. Apenas dois anos depois da implantação da estrada de ferro, da chegada do trem. No ano seguinte, já se erguia o Cine Popular, para pessoas de baixa renda.


Vieram na sequência o  Cine Apollo de 1912 e Cine Fox de 1918. A maior sala de exibição da cidade surge, já com o cinema falado, em 1934, o Capitólio, com capacidade para 1.000. Surge em 1936 o Cine Para Todos. Em  1939, surge o Cinema Babilônia, uma luxuosa casa de exibição para encontro com a sociedade. O Babilônia possuía 898 lugares e concorria diretamente com o Capitólio.


Após a Guerra, mais salas de exibição foram construídas na cidade: Cine São José, Cine Avenida e Cine Arte. Todos estes cinemas foram desativados. Atualmente conta com salas de exibições no Shopping Boulevard, e Espaço Cultural do SESC.


A produção cinematográfica em Campina Grande vai ganhar vulto com a presença de outro filho adotado, o piauiense, Machado Bittencourt, autor vários filmes, entre os quais destaque para os documentários: “A Feira”, “O último Coronel”, “Campina Grande da prensa do algodão, à prensa de Gutenberg”, além dos trabalhos em ficção como “Maria Coragem” e “O Caso Carlota”. 


O visionarismo de Machado era tanto que ele instalou em Campina Grande estúdios cinematográficos na bitola 16 do país, a “Cinética Filmes Ltda”, fundada  em 1974.


Hoje, Campina Grande, com a realização do Festival Comunicurtas, e a crescente produção advinda tanto dos cursos de Comunicação Social da UEPB, como Arte e Mídia, da UFPB, além de produções independentes, está vivenciando um verdadeiro “boom” de produção audiovisual com trabalhos premiados a exemplo de realizadores como André da Costa Pinto, com “Amanda e Munique” e Taciano Valério com “O Buraco”.


Cineclubismo


No ano de 1964, funda-se o Cineclube de Campina Grande, ficando a entidade responsável pelas sessões de arte no cine Capitólio. Após um período de desativação, em 1967, tomam parte do Cineclube futuros intelectuais e escritores como Bráulio Tavares, Luis Custódio da Silva, Marcus e Jackson Agra, Romero e Rômulo Azevedo, José Umbelino Brazil, entre outros


É desse mesmo período que outro cineclube aparece na cidade, o Glauber Rocha, com viés mais politizado, este capitaneado por José Nêumanne Pinto, Iremar Maciel, Agnaldo Almeida e Regina Coeli.


Não custa nada lembrar que na década de 60, período em que os cineclubes surgem,  havia colunas de crítica especializada nos jornais e programas de Rádio. Dentre os que se ocupavam destas atividades estavam Dorivan Marinho, Iremar Maciel, Luis Custódio e Humberto de Campos


Os cineclubes deixam de funcionar em períodos muito próximos. O Glauber Rocha em 1969 e  o Campina Grande em 1970. Vale ainda ressaltar a produção dos dois cineclubes. O cineclube Campina Grande  fez  um documentário institucional produzido para a prefeitura da cidade intitulado Natal 70. O cineclube Glauber Rocha não ficou atrás, o curta metragem SYLCYZ, de Regina Coeli, que veio posteriormente a ser mulher de José Nêumanne Pinto, competiu no Festival JB em 1969 no Rio de Janeiro.


A atividade cineclubista na cidade retoma nos anos 1970 por meio do Museu Assis Chateaubriand. Surgem, por esta época, o cineclube Humberto Mauro em 1974 (da escola PIO XI), o Paulo Pontes (do curso de Engenharia da UFPB) e o 11 de agosto (do curso de Medicina da UFPB) em 1976. Todos de vida efêmera, exceto o Humberto Mauro, que fechou em 1979. Também da década de 70, o cineclube Ruy Guerra marcou época, atuando durante dez anos.
 

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