CAFÉ e SAÚDE – Quem tem medo de dor de cabeça? Entrevista com Henrique Carneiro Campos, neurologista, especialista em Cefaliatria

23 de agosto de 2009 | Sem comentários Café & Saúde Mais Café
Por: 23/08/2009 - Hoje em Dia

Entrevista com Henrique Carneiro Campos, neurologista, especialista em Cefaliatria


Cefaliatria. É esse o nome da especialidade do neurologista Henrique Carneiro Campos, que diariamente atende em seu consultório dezenas de pessoas com os mais diversos sintomas que se aglutinam numa queixa comum: dor de cabeça.

Formado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), membro da Sociedade Brasileira de Cefaleia e diretor da Sociedade Mineira de Cefaleia, Henrique vive fazendo palestras para leigos e profissionais da saúde em simpósios, congressos e eventos por todo o Brasil. O objetivo: tentar ensinar a diferença entre as muitas dores de cabeça, distinguir entre enxaqueca e cefaleia e, principalmente, desfazer alguns mitos populares a respeito desse mal que, por questões hormonais, acomete mais mulheres do que homens e que, atualmente, atinge até crianças.

Mais: o médico chama a atenção para a banalização da dor de cabeça e para o exagero da automedicação com analgésicos que, segundo ele, pode acabar levando à cronificação da dor. Henrique Carneiro Campos adverte que é preciso ficar atento. Afinal, são mais de 150 tipos de cefaleias e só um exame médico criterioso é capaz de identificá-la e definir o melhor tratamento.


Há talvez mais de 10 anos, estive no evento de um laboratório que estava lançando, com muito estardalhaço, um antidepressivo para enxaqueca. Ainda se usa isso?


Sim, são inúmeros os remédios para enxaqueca. Os antidepressivos ainda são drogas de primeira linha. Usamos também medicações para pressão alta, tonteira, epilepsia, entre outras. Porém, com critério e doses adequadas.


Dá para explicar, de um jeito simples, a diferença entre dor de cabeça e enxaqueca?


Dor de cabeça ou cefaleia é um sintoma frequente, de intensidade variável, associado a causas diversas e nem sempre de fácil diagnóstico. Quando não está correlacionada com uma doença como sinusite, fibromialgia, gripes e resfriados, aneurismas ou tensão pré-menstrual, é chamada cefaleia primária e classificada em três tipos: tensional, em salvas e  enxaqueca, que tem alguns critérios: dor unilateral, de moderada a intensa, pulsátil, aversão ao som e à luz, náuseas e/ou vômitos e um mínimo de quatro crises com estas características durando de quatro a a 72 horas. Na tensional, a dor é de intensidade leve ou moderada e não impede que a pessoa exerça suas atividades. A cefaleia em salvas é pulsátil, muito forte e manifesta-se em crises, de uma a oito por dia. A dor da enxaqueca costuma ser unilateral, latejante, de intensidade de média a forte, e piora com a movimentação. Provocada por um distúrbio neurovascular crônico, é uma dor incapacitante, que obriga a pessoa a recolher-se no escuro…


A cabeça é uma parte do corpo tão importante e a gente banaliza quando ela dói, toma um remedinho e pronto. Todo mundo tem dor de cabeça e continua vivendo normalmente, mas se tem uma dor abdominal corre pro hospital. Por que essa banalização?


Esse é um mito interessante. Como a cefaleia é frequente as pessoas acreditam que é normal. É mentira! Toda dor é uma manifestação de que algo vai mal. Tem tratamento eficaz e ninguém é obrigado a conviver com dor. Até no meio médico há a frase: é enxaqueca, não tem cura, aprenda a conviver com a dor. A Sociedade Brasileira de Cefaleia quer acabar com esse mito.


Mas o leigo pode saber se a dor de cabeça dele é grave ou não?


Sim há alguns sinais de alerta que devem ser investigados: a primeira ou a pior dor da vida, dor contínua e progressiva em intensidade, febre, início após 50 anos de idade, rigidez no pescoço ou portador de doença imunossupressora como AIDS, doenças renais, entre outros. Toda dor de cabeça com características não usuais deve ser investigada.


Quais as causas mais frequentes de dor de cabeça? Tem gente que sabe identificar: dor de cabeça de estômago, de fígado, da vista. É verdade?


São mitos. Não há dor de cabeça de fígado ou estômago, Como há náuseas, é comum fazer essa referência. Há sim alimentos desencadeantes de dor em pessoas predispostas. Em relação ao problema da vista, só o astigmatismo pode causar cefaleia, geralmente após esforço visual contínuo. Dor de cabeça de origem oftalmológica é raríssima, embora muito valorizadas.


Então não é verdade dizer que vinho, chocolate ou laranja dão dor de cabeça?


Esses alimentos são potenciais desencadeantes de crises de enxaqueca , mas só em pessoas predispostas. Em relação a alimentos, o pior não é ingerí-los e sim ficar em jejum prolongado, que é causa comum de crises.


Por que é a cabeça que dói se o alimento vai para o estômago?


Boa pergunta! Os alimentos possuem substâncias que desencadeiam processo bioquímico cerebral responsável pela dor. Exemplos: queijos amarelos têm tiramina, os adoçantes, molho shoio e temperos têm glutamato monossódico, os embutidos têm nitratos etc. Todas essas substâncias, quando absorvidas, vão para o cérebro e iniciam a dor. Há mitos e verdades em relação a alimentos e enxaqueca. Entretanto, tem três fatores praticamente universais que disparam a crise. O primeiro e mais importante é ficar sem comer. O segundo é a ingestão de bebidas alcoólicas, vinho tinto principalmente. O terceiro é o alto consumo de café. É bom lembrar que a cafeína não está só no café, mas no chocolate, coca-cola, chá preto. Admite-se que 200mg de cafeína, o equivalente a três cafés expressos, quatro latinhas de coca-cola, sejam suficiente para provocar a crise de enxaqueca.


É mito também dizer que tristeza, aborrecimento, raiva, dão dor de cabeça?


Não. Transtornos do humor estão muito relacionados às cefaleias e podem, por si só, causar cefaleia tipo tensional, a mais comum, embora menos intensa que a enxaqueca. São responsáveis também pela piora e cronificação da enxaqueca. É comum a associação de depressão e enxaqueca. Há uma incidência maior de depressão nos “enxaquecosos”. Se pudéssemos receitar um único remédio, seria: seja feliz! Com menos compromissos, alimentos na hora certa, vida sexual saudável, atividades físicas e bom sono, provavelmente o número de crises seria menor.


Dizem que há 153 tipos de dor de cabeça. Como descobrir qual é a da gente? Há exames pra isso?


O melhor diagnóstico é através de uma consulta criteriosa e anamnese bem feita. Na maioria das vezes não é preciso exames, pois só as cefaleias de causa secundária podem apresentar alterações nos exames. As primárias, que respondem pela esmagadora maioria, não aparecem em exames que, sem critério,só expõem pessoas a riscos e geram ônus financeiros.


E cada uma dessas 153 dores dói de um jeito?


Sim e não. Há associações de sintomas que preenchem critérios para cada tipo conforme já descrevi para a enxaqueca. Há uma classificação internacional que fala dos critérios de cada tipo de dor. A cefaleia tensional é de leve a moderada, localiza-se difusa na cabeça toda e não unilateral. Barulho e o som podem incomodar, não há náuseas e vômitos. Pode ser associada à dor muscular  no pescoço ou não, é episódica ou frequente e dura de 30 minutos até 7 dias! É diferente da enxaqueca, que dura de quatro a 72 horas.


Parece que tem uma que leva as pessoas ao suicídio. Verdade?


Sim, é um tipo primário de dor, à qual já me referi. Chama-se Cluster headache, que o professor Edgard Rafaelli traduziu para Cefaleia em Salvas. É das piores dores, comparada à dor do parto e à cólica renal. Há relatos de suicídio, mas não em artigos científicos. É associada à queda da pálpebra, lacrimejamento e olhos vermelhos olhos. Dura de 30 minutos a duas horas cada crise. E o pior: podem ocorrem até oito por dia e se repetir por meses.


Quando é que a gente tem que correr ao hospital por causa de uma dor de cabeça? A do aneurisma, por exemplo, é diferente?


Esse é o medo de todo mundo: o aneurisma! Geralmente não há sinal. Pode haver uma dor de cabeça sentinela 14 dias antes da ruptura do aneurisma, mas isso não é regra. Deve-se procurar o hospital sempre que houver a primeira ou “a pior dor da vida”, quando houver mudança no padrão da dor, febre, confusão mental, rigidez de nuca ou algum déficit motor. Lembrando que aneurisma não causa dor de cabeça crônica e que os mitos de que “fulano tinha dor de cabeça todo dia e morreu com aneurisma” não procedem. O que pode ocorrer é a comorbidade de ter, por exemplo, enxaqueca e um aneurisma, o que também não quer dizer que este vai se romper.


Que tratamentos mais te encantam, te realizam?


Toda resposta positiva do paciente é gratificante! Preocupo-me mais com a qualidade de vida e é muito bom quando se ouve: “voltei a viver, a ser feliz”. Os pacientes com cefaleia crônica diária são os que mais ganham em qualidade de vida. Importante dizer que não se deve abusar de analgésicos e que seu uso mais que duas vezes por semana é a principal causa da cronificação das dores. Esse é o nosso maior objetivo na prevenção das dores crônicas.

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