OPINIÃO – Alugar a Amazônia pode ser a solução

Por: ÉPOCA

27/07/2009 
Índios e fazendeiros poderão vender a proteção da
floresta aos americanos. Por que isso pode ser um ótimo negócio para o
Brasil



Juliana Arini, de Canarana (MT)


O texano John Carter é uma das figuras mais polêmicas da região do Xingu, em
Mato Grosso. “Americano é sempre acusado de estar aqui para roubar a Amazônia”,
afirma. Carter vive no Xingu há 12 anos. Chegou à região depois de se casar com
uma brasileira, com quem teve duas filhas. O casal ganhou da família dela uma
fazenda de gado, com 8.000 hectares, entre os rios Araguaia e Xingu. “Nunca vi
uma paisagem como essa”, diz. Em 1997, quando ele chegou, viver no Xingu
significava conviver com o avanço descontrolado da fronteira agrícola. “Para
ficar aqui é preciso brigar muito.” A primeira luta foi contra os invasores.
Confrontos dignos de filmes de caubói, segundo Carter. “Demorou, mas hoje
aprendi a me impor.” Depois, a briga foi para difundir ideais ambientais entre
os fazendeiros vizinhos.


A dobradinha americano-ambientalista gerou desconfianças. Ao entrar em
fazendas, com o pesquisador Daniel Nepstad, também americano, da Fundação Moore,
o grupo de Carter muitas vezes era expulso à bala antes mesmo de abrir a boca.
Quando conseguiam falar sobre meio ambiente, a coisa piorava. Com muita
persistência eles conseguiram aliados brasileiros e fundaram a Aliança da Terra.


É uma espécie de ONG que está mudando as práticas agrícolas locais. A
ONG já reúne cerca de 1 milhão de hectares de fazendeiros que aceitam rever a
forma de plantar, lidar com a água e usar insumos agrícolas. Uma vitória
inimaginável há dez anos. Agora, Carter se impôs um novo desafio: alugar as
florestas para os americanos.


A ideia é ousada. A proposta é captar dinheiro de fundos internacionais,
principalmente dos Estados Unidos, para financiar a preservação e reduzir o
desmatamento, responsável por 17,4% das emissões de gases causadores das
mudanças climáticas. Em troca, quem contribui para esse fundo ganha créditos
para abater de suas emissões industriais. Em outras palavras: quem não consegue
cumprir integralmente as cotas de redução de poluição pode atingir os pontos que
lhe faltam “comprando” a redução alheia.

Essa proposta é conhecida
internacionalmente por Redd (sigla para redução de emissões por desmatamento
evitado, em inglês). A criação de um mercado assim pode ser importante para a
preservação das regiões tropicais – e para começar a reduzir a poluição global e
salvar o clima do planeta. Os primeiros projetos viáveis do mundo são justamente
os brasileiros, como os de Carter. No total, estima-se que o aluguel de
florestas poderá trazer ao Brasil de US$ 5 bilhões a US$ 8 bilhões por ano para
conservação.

Para aproveitar oportunidades como esta, o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva anunciou, na semana passada, que vai criar uma Secretaria
de Crédito de Carbono. Mas a chegada desse dinheiro depende, antes de mais nada,
da aprovação do mecanismo do Redd na convenção mundial do clima, em dezembro, em
Copenhague, na Dinamarca. Um aliado inusitado da proposta é o governo americano.
Esse mecanismo de compensação com florestas é parte importante do projeto de lei
aprovado no início de julho pela Câmara dos Deputados, nos Estados Unidos.


A lei prevê que as usinas termoelétricas, que usam o carvão para
produzir energia e representam 80% das emissões do país, paguem licenças para
poluir. Essas licenças vão ser reduzidas a cada ano. “O país pretende destinar
5% de tudo o que for arrecadado com as licenças para investir na redução do
desmatamento das florestas tropicais”, diz Richard James Driscoll, conselheiro
para assuntos ambientais da Embaixada dos Estados Unidos.

O negócio faz
sentido econômico. Segundo estimativas do painel de cientistas da ONU (IPCC),
evitar a emissão de 1 tonelada de carbono diminuindo o desmatamento custa hoje
US$ 5. Mudar uma indústria para ser mais eficiente e economizar energia custa
pelo menos US$ 20 por tonelada .



A proposta também é muito atraente para os fazendeiros da Amazônia. Ao
rodar em uma estrada do Xingu, é fácil compreender por quê. Soja e pastos
intermináveis formam um grande tapete verde que se estende por centenas de
quilômetros. Fora das terras indígenas, o pouco de árvores que restou (35% em
toda bacia) pertence às reservas florestais obrigatórias das fazendas.


Seriam os 80% de mata que a lei brasileira exige ser preservada nas
propriedades particulares. O difícil é manter essa floresta em uma região onde a
soja rende R$ 400 por hectare. “A conta do que se perde para seguir a lei sempre
foi um argumento difícil de rebater”, diz Marcos Reis, um dos primeiros
produtores rurais de Mato Grosso a se aliar a Carter na Aliança da Terra.


O Brasil poderá ganhar até US$ 8 bilhões por ano em investimentos
contra o desmatamento


O projeto de pagamento pela preservação prevê que as florestas precisam
continuar inteiras por até três décadas. Além de evitar que o proprietário
destrua as árvores, os proponentes da iniciativa devem precaver-se contra as
queimadas. Os incêndios são um problema grave na região. Em 2008, o fogo
destruiu as matas de fazendas e invadiu as terras indígenas vizinhas. s “Muitos
perderam a roça, e os animais morreram”, diz Winti Kinsedjê, presidente da
associação da etnia kinsedjê. Para evitar o fogo, está previsto no projeto do
Xingu a criação de uma brigada de incêndio. A idéia é proteger 13 milhões de
hectares em volta do Parque Indígena.


Entre os países tropicais ricos em florestas, o Brasil é o que apresenta
melhores condições para receber investimentos. A principal vantagem brasileira
são as metas que o presidente Lula assumiu há um ano para zerar o desmatamento
ilegal em duas décadas. O segundo ponto é que temos um sistema já implantado de
monitoramento do desmatamento por intermédio do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe).


Além disso, já temos órgãos e estrutura de fiscalização e controle ambiental.
O próximo desafio dos projetos de desmatamento vai ser ampliar essa ideia das
terras privadas para as áreas públicas protegidas, que correspondem a 45% do
território da Amazônia. Um dos passos mais ousados do projeto da Aliança da
Terra e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) é levar a ideia
para o Parque Indígena do Xingu, um dos maiores trechos de floresta preservada
do país.


Desde o ano passado o assunto é tema de reuniões e discussões entre os índios
do parque. Muitos acreditam que o aluguel de árvores possa ajudá-los a minimizar
os impactos do aquecimento global. Para outros tantos, que nem sabem que a Terra
é redonda, termos como “carbono” e “mudanças climáticas” causam tumulto e até
irritação. Porém, mesmo rejeitando a visão científica, a grande maioria dos
índios concorda que os ciclos da natureza estão mudando.


O temor de não conseguir mais produzir comida provoca um enorme interesse no
projeto de evitar desmatamento. “Eu não entendo o que é essa coisa de carbono,
mas sinto que tudo está mudado”, diz o cacique Wantumbatxi Kinsedjê. “Aqui é
tudo diferente. A gente vive como nossos antepassados nos ensinaram. Neste ano,
esperamos a estrela principal aparecer no céu e o murici florescer para começar
as roças, mas não choveu. As sementes secaram e perdemos tudo. A solução foi
comprar arroz na cidade.”



Em uma região como o Xingu, onde a grande maioria dos 25 mil índios se
alimenta do que planta, perder a roça pode significar uma ameaça à saúde.
“Quando compram comida, os índios começam a abusar do sal e do açúcar. Isso
aumenta os casos de hipertensão e diabetes”, diz Alupah Caiabi, presidente da
Associação Terra Indígena do Xingu (Atix). “O dinheiro arrecadado com o aluguel
de florestas pode ser aplicado em alternativas de explorar a floresta de forma
sustentável, como a extração de madeira com práticas não predatórias, e
principalmente a financiar as brigadas de incêndio nas aldeias”, afirma Osvaldo
Stella, do Ipam.


Outra etapa prevista pelo projeto é ampliar o aluguel de florestas para os
assentamentos de reforma agrária e os lotes de agricultura familiar da Amazônia.
Hoje, mais de 80% dos assentamentos da região são voltados para a criação de
gado leiteiro. Ou pior, para a produção de carvão vegetal. Nem as reservas
extrativistas, como a Chico Mendes, no Acre, estão livres do avanço dos
rebanhos.


Apesar de ter uma história ligada à extração sustentável de produtos das
florestas, como a castanha e o cupuaçu, a grande maioria dos moradores dessa
área usa parte de seu lote para criar gado. “Chico Mendes sabia que o modelo
atual de reserva extrativista não era perfeito. Mas ainda não tínhamos em mente
qual poderia ser o mecanismo que ajudaria a valorizar a floresta em pé”, diz o
antropólogo Steve Schwartzman, diretor da ONG Enviromental Defense, de
Washington, e um dos grandes aliados de Chico Mendes. “O pagamento pelo
desmatamento evitado é uma chance de valorizar a floresta e dar qualidade de
vida aos moradores.”



Apesar do otimismo, a ideia tem mais críticos que seguidores. Os índios
do Xingu, por exemplo, ainda não chegaram a um consenso. “Temos medo que o
dinheiro ganho com nosso esforço em preservar as matas nunca chegue a nossa
comunidade”, diz Winti Kinsedjê. “Se for só para gerar dinheiro para os
políticos e governo, ninguém vai querer participar. Estamos cansados de tantos
projetos que não mudam nada.” A resistência política é o segundo problema.


Muitos países europeus não concordam que o primeiro passo para combater o
aquecimento global seja compensar emissões por intermédio do desmatamento
evitado. A medida, segundo eles, pode reduzir o empenho dos países ricos em
abandonar os combustíveis fósseis. Algumas ONGs, como o Greenpeace e a WWF,
concordam com a ressalva.



Para vencer essa resistência, o sistema de pagar por desmatamento evitado
pode ser oferecido aos países campeões de emissões como uma opção voluntária.
Assim, os países doadores não podem usar o que a floresta preservada deixou de
poluir em suas contas de emissões. O Brasil já recebeu R$ 110 milhões – de US$ 1
bilhão prometidos pela Noruega pelo sistema voluntário de desmatamento evitado.


Esse dinheiro é administrado pelo Fundo Amazônia, ligado ao Ministério do
Meio Ambiente e ao BNDES. Será usado para financiar projetos que garantam a
floresta em pé por até 20 anos. Pode ser um modelo para todo o país.



O último e maior obstáculo dos projetos de desmatamento evitado é
encontrar alternativas para o uso sustentável das florestas. Que garantam que a
mata vai continuar preservada depois dos 30 anos contratados pelo financiamento.
“O que precisamos lembrar, quando falamos em desmatamento evitado, é que esses
projetos não vieram para ser a solução da crise climática e nem do desmatamento,
mas apenas uma pausa que nos dê tempo de chegar até eles”, diz Stella, do
Ipam


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