Sustentabilidade e vantagem competitiva

Por: VALOR ECONÔMICO -SP

Na crise, produtos ambientalmente certificados perdem o seu diferencial
Por Jacques Marcovitch


No Brasil, como em quase todos os países, ainda não se chegou a um nível satisfatório de consciência ambiental, embora venham ocorrendo, a partir da segunda metade dos anos 1980, significativos progressos nesta direção. O meio corporativo ainda terá de completar o itinerário certo para que a gestão sustentável venha a se tornar um diferencial de competitividade. Em menos de três décadas, entretanto, houve avanços relevantes, o que não é trivial, nem mesmo em grandes economias globais.



Na esfera pública, Executivo, Congresso e Judiciário consolidaram ampla e consistente legislação sobre o tema. O governo central, em sucessivos mandatos, implementou bem-vindas práticas ambientais, a mais recente adotando metas voluntárias para a redução do desmatamento na Amazônia. E, a despeito das restrições de crédito impostas pela crise global, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) oferece linhas de empréstimos declaradamente sem limites para financiamento de projetos sustentáveis apresentados pelas empresas.



Várias corporações brasileiras de grande porte já se alinham entre as mais sustentáveis do planeta, principalmente no que se relaciona com a eficiência energética, e não hesitam em apontar esta inovação como instrumento facilitador na conquista de mercados. Tal percepção foi recolhida em pesquisas realizadas junto a empresas de forte expressão e representantes setoriais. Os inquéritos constam do projeto Para Mudar o Futuro: Mudanças Climáticas, Políticas Públicas e Estratégias Empresariais em suas edições em livro e espaço digital. No primeiro estudo, em 2006, foram detalhadas estratégias para mitigação de gases de efeito estufa em modelos produtivos e, no segundo, em 2008, avaliados os resultados obtidos.



Cabem aqui algumas considerações quanto ao papel das variáveis econômicas nesse tema decisivo do século XXI. Tais fatores da questão ambiental permaneceram longamente em plano inferior ao que sempre foi ocupado por suas determinantes políticas e científicas. O Protocolo de Kyoto contribuiu para modificar o quadro, alinhando todos os aspectos em plano equivalente. Impondo limites às emissões de gases poluentes, o pacto multilateral fortaleceu compromissos éticos em relação ao bem-estar das gerações futuras e inspirou modelos para a medição da eficiência dos países ante o fenômeno do aquecimento.



Com o propósito de fixar o papel do setor produtivo para enfrentar os desafios ambientais e sociais, além de auxiliar os planos estratégicos empresariais, segue uma agenda de prioridades para elevar a competitividade:



a) Para deter a intensificação das mudanças climáticas, é fundamental alcançar patamares elevados de eficiência energética e investir em inovações que reduzam drasticamente a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, inclusive lançando mão de bioenergéticos renováveis e combatendo o desmatamento.



b) Para conservar a biodiversidade, urge assegurar o uso sustentável dos recursos biológicos, impedir a ameaça a habitats, inventariar novas espécies, prevenir os danos ambientais, apoiar a pesquisa científica, promover a distribuição equitativa dos benefícios da natureza e compartilhar dados e informações sobre o tema.



c) Para responder aos desafios sociais, cabe eleger poucas prioridades, porém duradouras, que conciliem o crescimento econômico e a distribuição de renda. Dentre estas, a universalização do saneamento básico, combate ao déficit habitacional, promoção do acesso ao crédito, crescimento da geração de trabalho decente e garantia de uma educação de qualidade para todos.



As oportunidades para novos empreendimentos e para a consolidação de empresas estão nos mercados emergentes, novas fronteiras tecnológicas e setores dinâmicos. Diante deste quadro, são as empresas inovadoras e com maior visão de futuro que podem fazer dos desafios ambientais uma fonte de vantagens competitivas. Isso as tornará mais eficientes, além de rentáveis, e fortalecerá o entorno do qual depende a sua perenidade.



O mundo enfrenta a eclosão de fatores econômicos que inibem até o processo civilizatório. As vicissitudes nas economias de todos os países retardam a evolução das mentalidades e podem alterar, em sua dinâmica, alguns pontos de vista ora formulados, cujos fundamentos, entretanto, permanecerão. O conceito que atribui às políticas ambientais um fator de competitividade, embora não apresentando práxis de larga escala a justificá-lo no Brasil, mantém um lugar reservado na história e, particularmente, em nosso mapa estratégico.



Cumpre ao Brasil limpar sua produção de commodities, independentemente da conveniência de vencer barreiras ambientais ou protecionistas na Europa e nos EUA. No caso do mercado americano temos de nos precaver com os efeitos de políticas públicas anunciadas pelo governo Obama visando a produção de energias alternativas. Isso pode resultar, por exemplo, numa viabilização do etanol de celulose naquele país, dificultando ainda mais a livre importação do biocombustível brasileiro de cana-de-açúcar.



A crise econômica em curso foi interpretada pelo Premiê Gordon Brown como a “desglobalização”, na medida em que cada país busca uma saída própria. Ela ensejou o endurecimento de quase todas as fronteiras. Tal fato representou um severo golpe no livre comércio. Por um longo período, mesmo produtos de origem ambientalmente certificada perderão a força competitiva, apesar dos preços atrativos e da qualidade em sua fabricação. Hoje, raras vantagens de origem externa podem ser esperadas. Somos todos vulneráveis aos efeitos da crise. Digamos, parodiando o verso de John Donne, que nenhum país, nem mesmo a Inglaterra, é uma ilha.



Jacques Marcovitch é professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) e do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo.

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